Algarve sem ACTA é um Algarve mais pobre

ouvir notícia

Se lá chegar, em 2025, a ACTA - A Companhia de Teatro do Algarve vai celebrar 30 anos de desafios, lutas, talentos, de dezenas e dezenas de espetáculos que chegaram a todos os cantos da região (e do país), conquistas, colaborações e de muita perseverança. Em 2022, a direção artística foi apanhada de surpresa pela exclusão da ACTA do Programa de Apoio Sustentado, na modalidade de Teatro, para quatro anos. Sem essa verba, alegadamente absorvida por uma companhia de teatro com sede em Lisboa, falta dinheiro para pagar aos colaboradores e para fazer espetáculos. A perda de apoios resultou no afastamento de oito pessoas e um espetáculo adiado. Luís Vicente, o diretor artístico diz que há "manigância" no processo

Conhecemos Luís Vicente do grande ecrã. Fez (e continua a fazer) teatro, novelas e séries. Morangos com Açúcar, Inspector Max, Laços de Sangue, Pai à Força, A Única Mulher, Ministério do Tempo ou Teorias da Conspiração são alguns dos produtos televisivos em que participou. Em 1999, assumiu a direção artística da ACTA, sucedendo ao professor e pedagogo José Louro, também um dos responsáveis pela criação da Companhia.

Luís Vicente, diretor da ACTA

No teatro participou em mais de 60 produções de grandes autores da dramaturgia mundial, quer como intérprete, quer ainda hoje como encenador e produtor. Por isso, será consensual considerarmos que é o teatro que lhe enche as medidas e é por ele – e pela Cultura – que luta. Ele e todos os que o acompanham na ACTA.


A par da produção artística, a ACTA tornou-se interveniente também em questões de formação e sensibilização de públicos, nomeadamente junto de alunos e docentes dos vários graus de ensino.


A Companhia edita regularmente, desde 1998, a publicação ACTAs do teatro, a qual visa cumprir não só uma função de “programa” de cada produção artística, mas também a de instrumento de reflexão artística e estética, e, pontualmente, também a noticiosa e a didática.


A ACTA ficou excluída, em 2022, do Programa de Apoio Sustentado, da Direção-Geral das Artes (DGArtes), deixando a companhia sem financiamento, apesar de ter tido 71,61% no concurso para os apoios quadrienais.

Quando a peça do JA foi escrita, a ACTA ainda aguardava os resultados do Concurso Pontual de Apoio à Criação-Teatro da DGArtes, inicialmente previstos para final de maio, e entretanto com anúncio prometido para julho.


É preciso explicar que “a candidatura da ACTA não foi chumbada, mas sim excluída porque já não havia dinheiro e o ministro, Pedro Adão e Silva, não autorizou reforçar o montante disponível”, vinca Luís Vicente, que nos recebeu na sede da Companhia de Teatro do Algarve, em Faro.


A dotação inicial do Programa de Apoio Sustentado da DGArtes, conforme aviso publicado em maio de 2022, era de 20.440.000.00 milhões de euros. Mais tarde, em outubro de 2022, é publicada uma alteração ao aviso de abertura, passando, nessa altura, a dotação financeira disponível na modalidade de apoio quadrienal do domínio “Programação” para 32.680.000.00 milhões de euros. Ou seja, houve reforço mas a ACTA continuou de fora da lista das candidaturas apoiadas.


Para ajudar à “festa”, tal como explica o responsável, “a ACTA foi afastada por uma estrutura que se chama Teatro do Eléctrico, que tem sede na Amadora”, começa.

Coesão territorial “não conta”
“Essa Companhia concorreu pelo Algarve e do ponto de vista das regras pode fazê-lo. Também podíamos ter concorrido por Trás-os-Montes”, ironiza. “Esta é uma situação nova. Há quatro anos não era assim. Foram criadas novas regras e esta Companhia, que num total de 95 iniciativas que tem, realiza apenas 27 no Algarve, todas elas no concelho de Loulé, teve financiamento”, expõe.

- Publicidade -


Luís Vicente recorda que a ACTA é a única companhia de teatro que percorre a região com espetáculos itinerantes, que chegam aos 16 concelhos algarvios graças a um autocarro que vira palco. Neste sentido, brindou-nos com um excerto que retirou da página 176 do Programa do XXIII Governo Constitucional, onde pode ler-se: “a cultura constitui um veículo primordial para a valorização individual e coletiva, a transformação social e a coesão territorial. Importa, pois, prosseguir uma política cultural sustentada e de proximidade, promovendo uma estratégia assente na descentralização e na desconcentração territorial, de modo a incentivar o mais amplo acesso às artes”.


“O júri que avaliou a nossa candidatura escreveu a propósito dela: ‘a candidatura evidencia a excelente relevância estratégica da entidade no plano profissional, social e territorial’”, cita o ator. Face à pontuação que obtiveram, a direção contestou o veredito e na contestação o júri destacou que “’a coesão social e territorial não constitui critério de avaliação no presente concurso’”, torna a citar, a fim de comparar “incongruências”.


Coincidência ou não, Luís Vicente faz um reparo: “no dia 6 de julho estiveram três governantes na estreia de um espetáculo que se chama O Livro de Pantagruel, no Teatro do Elétrico”. Foram eles o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e os ministros Ana Catarina Mendes e João Costa, tal como noticiou a revista Sábado na sua edição de 13-19 de julho, numa crónica com o título “Governantes vão ao teatro canibal – O PS de humor negro”.

De 13 colaboradores ficam cinco
A tempo inteiro, na ACTA, ficam a trabalhar apenas “cinco pessoas”, de um total de 13 colaboradores no início do ano, oito já foram para o desemprego. Para já, a direção comunicou o adiamento de uma peça para o mês de novembro (O Marinheiro, de Fernando Pessoa), mas admite que “todo o programa inscrito nos quadrienais está em risco”. Há projetos que ficam “na gaveta” por causa da situação de instabilidade, desde logo “um espetáculo de ópera que estava previsto para este ano com a Orquestra Filarmónica Portuguesa”, detalha.


Na generalidade dos casos, “têm sido as próprias pessoas a afastarem-se” pela situação em que se encontra a Companhia. Depois, conta, “tivemos dois casos que me deixaram bastante incomodado. Ainda por cima eles andavam em digressão. A partir de janeiro próximo iam fazer a digressão por Espanha, depois de terem feito em Portugal. Tivemos de os dispensar”, deplora.


Quanto ao futuro, ainda que existam respostas em atraso e candidaturas reprovadas, Luís Vicente mostra-se esperançoso com a aprovação, “por inteiro”, da candidatura da ACTA ao Programa de Apoio a Projetos – Internacionalização. Ao JA diz que só vislumbra “um caminho em que a ACTA ultrapassa as dificuldades” e rejeita outros cenários. Garante que não vai desistir porque está “bem acompanhado”, afirma.


Questionado sobre se o funcionamento do Teatro Lethes (a ‘casa’ da ACTA) está em risco, apoia-se nas declarações do presidente da autarquia farense, Rogério Bacalhau, quando na última cerimónia que decorreu no emblemático teatro disse que o Lethes não ia fechar e que a ACTA não ia acabar. E acrescenta “evidentemente que isto são coisas que se dizem em determinados momentos e que exprimem solidariedade, mas por vezes há circunstâncias que são insustentáveis. Foi uma machadada enorme”, afirma.

Culpas no ministro
Se a ACTA vier a extinguir atividade, Luís Vicente não tem medo de apontar o dedo: “se isso acontecer, a responsabilidade recai inteiramente num homem que hoje desempenha as funções de ministro porque não quis resolver o assunto. E diz para não se politizar a cultura…”, critica.


Por agora, avança ao JA que já expôs a situação à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve e que aguardam “a abertura de novos avisos para concorrer a mais apoios”. Quanto à Direção Regional de Cultura (DRCAlg), diz não estar envolvida na situação.

O Teatro Lethes é a casa da ACTA

DRCAlg pede reforço nos apoios
O JA contactou Adriana Nogueira, diretora regional de cultura, para comentar a atual situação da ACTA. “A Direção Regional de Cultura do Algarve considera ser vital um maior reforço de apoios da DGArtes para a região do Algarve e do Alentejo, que continuam a ser prejudicadas quando comparadas com outras regiões do país, no que respeita aos apoios a estruturas artísticas profissionais”, vinca.


“Temos dificuldade em perceber porque é que o Algarve pode ter apenas uma companhia de teatro profissional apoiado nos apoios sustentados a quatro anos. Obviamente que este constrangimento tem depois reflexos dramáticos, como os que agora estamos a assistir com as dificuldades que uma estrutura como a ACTA está a enfrentar”, lamenta.


No que toca a valores, perguntamos à direção artística qual o montante que seria necessário para que a sustentabilidade financeira da ACTA fosse assegurada. “Temos vindo a receber da Direção-Geral das Artes, até agora, 288 mil euros por ano e o nosso orçamento é de 600 mil euros. Tudo o resto que temos tido são verbas fruto do apoio dos municípios, vendas de espetáculos, etc”, esclarece o encenador.


Tentámos ainda obter declarações do presidente da CCDR do Algarve, a José Apoliário, que não respondeu por se tratar de uma matéria “da competência da área da cultura”.

Ativos penalizam Companhia
“Há aqui uma manigância, que eu não tenho completamente identificada”, reforça.


“Não sou dado a teorias da conspiração, mas que houve aqui interferência exterior houve. De que tipo, não sei. Existe manigância na avaliação do nosso projeto de gestão. Fomos penalizados por termos ativos, mais concretamente por termos uma casa de função – um apartamento que adquirimos há 14 anos e que vai ficar pago em novembro – da qual temos dado contas todos os anos. Recentemente comprámos também um armazém que fica a cinco minutos do Teatro.

Era alugado por nós desde 2001, mas agora a proprietária queria desfazer-se do património. Como tínhamos o direito de preferência avançámos e a senhora fez-nos um desconto considerável. O banco validou a situação. Fomos penalizados por isso também. Fomos igualmente penalizados porque alienámos duas carrinhas que tinham 20 anos e comprámos uma carrinha nova”, lamenta.


Embora trabalhem “com todos”, para além do município de Faro, “Loulé, Portimão e Albufeira” são as autarquia que mais apoiam a ACTA, também pelo facto de serem “aqueles que têm mais população e que conseguem adquirir mais espetáculos”, justifica a direção. “Depois há os municípios que não têm equipamentos culturais que permitam realizar espetáculos” e aí entra a ACTA na sua missão de levar a cultura a toda a gente. Adiantam ainda ao JA que, recentemente, “foi assinado um protocolo com a autarquia de Vila Real de Santo António para a realização de espetáculos”.


Enquanto sociedade, será que não evoluímos por não se apoiar a cultura ou por não apoiarmos a cultura não evoluímos? Foi a pergunta que fizemos à direção da ACTA. “Não se investe na cultura por ignorância. Estabelecem-se outras prioridades. Há gente que está no Governo, e que há-de deixar de estar, já nasceu e há-de morrer sem meter os pés num teatro, sem ver um espetáculo de dança, assistir a uma ópera. Isto é uma questão de fundo. Não têm noção, não alcançam, têm horizontes limitados. Porquê? Por uma questão de educação”, acredita.


Desafiado a eleger o último Governo que deu a devida atenção à cultura, Luís Vicente opta por “não pôr a questão ao nível dos governos, mas ao nível dos governantes” e prossegue: “não tenho dúvida nenhuma que o ministro Manuel Maria Carrilho foi um bom ministro. Não tenho dúvida nenhuma que o ministro João Soares, nos cinco meses e meio que lá esteve, também foi um bom ministro. Não tenho dúvida nenhuma que o professor Mário Vieira de Carvalho foi um bom secretário de Estado. Até aqui só disse socialistas, mas o social-democrata Jorge Barreto Xavier, enquanto foi secretário de Estado de Pedro Passos Coelho, em situação dificílima, arriscou”, reconhece.

ACTA “esquecida”
Na fase final da conversa com o JA, Luís Vicente disse que não queria “deixar apelos a ninguém”.


“Quando cá esteve o ministro, no âmbito do Governo+Próximo, alguém lhe disse que deveria falar comigo. A esse alguém ele terá respondido que iria telefonar. Até hoje… Disse depois, quando o questionaram se iria receber a ACTA, que não tinha recebido nenhuma solicitação de audiência da nossa parte… Não recebeu nem vai receber porque pedi a duas pessoas das minhas relações, que são também das relações dele que o abordassem no sentido de saber qual era a perspetiva dele, o que ia fazer… Essas pessoas, ambas elas, disseram-me ‘esquece’”, termina.


No concurso quadrienal de 2018-2021, a ACTA recebeu uma classificação de 70,5% (abaixo da pontuação deste ano) e foi apoiada com 1,13 milhões de euros ao longo dos quatro anos. No Programa de Apoio Sustentado para o próximo quadriénio, a ACTA foi uma de sete estruturas excluídas, face a 48 apoiadas.


Na região, a DeVIR – Associação de Atividades Culturais foi a única escolhida para usufruto do Programa de Apoio Sustentado a quatro anos. Para os apoios bienais foram selecionados quatro projetos algarvios, entre os quais a Lavrar o Mar Cooperativa Cultural CRL, JAT – Colectivo Janela Aberta Teatro – Associação Cultural, Folha de Medronho – Associação de Artes Performativas e a Mãozorra Associação Cultural.


A ACTA assume-se como “uma estrutura de produção artística teatral com caráter profissional” constituída em 1995, em Faro, por um “grupo de interessados fazedores de teatro” provenientes da Universidade do Algarve.


A companhia foi instalada em 2012 no Teatro Lethes, em Faro, teatro histórico integrado na “European Route of Historic Theaters”.

Deixe um comentário

Tem uma Dica?

Contamos consigo para investigar e noticiar

- Publicidade-
- Publicidade-
- Publicidade-

Agricultura regenerativa ganha terreno no Algarve

No Algarve, a maior parte dos agricultores ainda praticam uma agricultura convencional. Retiram a...

Liberdade e democracia na voz dos mais jovens

No 6.º ano, o 25 de abril de 1974 é um dos conteúdos programáticos...

Algarve comemora em grande os 50 anos do 25 de Abril -consulte aqui a programação-

Para assinalar esta data, os concelhos algarvios prepararam uma programação muito diversificada, destacando-se exposições,...

Veículos TVDE proibidos de circular na baixa de Albufeira

Paolo Funassi, coordenador da concelhia do partido ADN - Alternativa Democrática Nacional, de Albufeira,...

Silves faz investimento de 1,6 milhões numa Ciclovia/Ecovia

A Ciclovia/Ecovia de Silves (troço Armação de Pêra – Praia Grande nascente) será inaugurada...

União Sambrasense celebra Dia do Trabalhador

A União Sambrasense vai celebrar o primeiro dia de maio, Dia do Trabalhador, no...

Albufeira dinamiza ciclo de conversas “Protagonistas da Nossa História”

Todos os sábados do mês de maio, às 21h00, as quatro juntas de freguesia...

Famílias debatem “O brincar e a integração sensorial” em Loulé

No âmbito do Ciclo de Conversas "Semear Hoje…Colher o Amanhã…", a Biblioteca Municipal Sophia...

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.