Álvaro de Ataíde, guerreiro do século XV e alcaide-mor de Alvor

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Quem hoje circula nas imediações do castelo de Alvor depara-se com um painel toponímico alusivo ao local onde existiu ”o paço do alcaide-mor de Alvôr Alvaro de Ataide” onde consta que ali “faleceu em 1495 el-rei D. João II (…)”. De facto, é o próprio Rui de Pina a afirmar na sua Crónica de D. João II que, quando o “Príncipe Perfeito” adoeceu, em 1495, procurou a cura nas águas termais de Monchique, tendo ido “dormir a Alvor (…) e pousou nas casas de Álvaro de Ataíde”, onde acabou por perecer (Capítulo LXXIX). Posto isto, torna-se pertinente clarificarmos quem realmente foi Álvaro de Ataíde. Ora, de acordo com o Livro de Linhagens do século XVI, Álvaro de Ataíde era neto de Gonçalo Viegas de Ataíde, combatente que participou na conquista de Ceuta, onde foi armado cavaleiro logo após a tomada da cidade, tal como refere Gomes Eanes de Zurara na Crónica da Tomada de Ceuta (Cap. L e XCVI). Do mesmo modo, também o seu pai, João de Ataíde, e o seu irmão, Pedro de Ataíde, serviram naquela praça norte-africana, assim como veio a acontecer com o próprio Álvaro de Ataíde. De facto, encontramo-lo a prestar serviço em Ceuta, em 1454, juntamente com sete escudeiros, seis homens de pé e seis besteiros à sua conta (Chancelaria de D. Afonso V, liv. 1, fl. 82).

Chronica do Conde D. Duarte de Menezes, de Gomes Eanes de Zurara. Biblioteca Nacional de Portugal, COD. 657


De acordo com a Chronica do Conde D. Duarte de Menezes, de Zurara, Álvaro de Ataíde participou com o seu irmão na expedição às portas de Tânger, de 1461 (Capítulo CVII). Não sabemos exactamente quanto tempo passou no Norte de África, porém, um documento de 1488 refere “os muitos e estremados serviços de dom Álvaro de Ataíde, assim no reino como em África” (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 6v). Em 1461, Álvaro de Ataíde recebeu os direitos e rendas da Coroa em Alvor, que tinham pertencido ao infante D. Henrique, falecido em 13 de Novembro 1460. É o rei D. Afonso V que faz mercê “a Álvaro de Ataíde, fidalgo régio”, da “dízima velha do pescado, a portagem de mar e terra, os foros das chantas, o serviço novo e velho dos judeus, fornos, moinhos, casas, barca da passagem, salinas e sal do lugar de Alvor” (Chancelaria de D. Afonso V, lv. 9, f. 119). Voltamos a encontrar Álvaro de Ataíde no Norte de África, em 1464, aquando do ataque de D. Afonso V à serra de Benacofu, em que D. Duarte de Meneses, o capitão de Alcácer Ceguer, deu a vida para proteger o monarca português. Aliás, segundo a Chronica do Conde D. Duarte de Menezes, foi D. Henrique de Meneses, filho deste capitão, a salvar Álvaro de Ataíde da morte, quando este já se encontrava no campo de combate com um braço partido (Capítulo CLIV). Em 1475, Álvaro de Ataíde, que entretanto começa a aparecer na documentação como pertencente ao “conselho d’el-Rei”, integra o exército real que invadiu Castela, no mesmo ano em que D. Afonso V reconhece que “o lugar de Alvor era vila sobre si e não termo de Silves”, fazendo mercê dela, de “livre vontade e poder absoluto a Álvaro de Ataíde, e a um seu filho, após a sua morte, com todos os direitos, foros e tributos, ressalvando as sisas gerais e alfândega” (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 6v). De resto, é nesse ano que “o Africano” autoriza a construção de casas dentro do castelo de Alvor, “quais e quantas lhe aprouvesse para nelas morar” (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 6), o poder para Álvaro de Ataíde recrutar homens de guerra quando o monarca ou o príncipe quisessem servir-se dos moradores de Alvor e seu termo, “por mar ou por terra” (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 6v), e confirma-lhe a doação dos direitos de Alvor e do seu termo (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 32, fl. 10v). De resto, é esta proximidade de Álvaro de Ataíde a D. Afonso V a valer-lhe uma resolução favorável na disputa que manteve com o seu irmão, Pedro de Ataíde, pela herança do senhorio de Penacova e Paço de Aboboreira.

Alvaro de taide doaçam pera elle e nuno fnz seu fº dalcaidaria dalvor. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Leitura NovaLivro 1 de Odiana, fl. 4v.


Álvaro de Ataíde continuou próximo da Coroa durante o reinado de D. João II, não obstante o envolvimento de alguns Ataídes na conjura contra o “Príncipe Perfeito”. Essa situação parece não ter afectado a estima de D. João II por Álvaro de Ataíde. Aliás, o monarca acabou por lhe confirmar todas as doações feitas por D. Afonso V logo nos anos seguintes, tal como podemos verificar em vários documentos da Chancelaria de D. Manuel I e dos Livros de Odiana, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Após o falecimento de D. João II, Álvaro continuou a merecer os favores da Coroa. Logo em 1496, recebeu a mercê da alcaidaria-mor da fortaleza que se mandava fazer para defesa da vila de Alvor (Livro 1 de Odiana, fl. 4v). Ainda nesse ano, em 29 de Dezembro de 1496, D. Manuel confirmou que D. Álvaro de Ataíde sucedesse o seu irmão na posse do senhorio de Penacova, “por falecimento de Pero de Ataíde que Deus tem” (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 32, fl. 82) e, em 28 de Fevereiro de 1497, D. Manuel voltou a confirmar-lhe a alcaidaria-mor da vila de Alvor (Livro 1 de Odiana, fl. 84v), para além de ver confirmadas todas as rendas, direitos, e até um padrão de 4000 reais de tença (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 31, fl. 76).
Não sabemos a data de falecimento de Álvaro de Ataíde. Porém, é ao seu filho Nuno Fernandes de Ataíde que, em 17 de Março de 1498, é confirmada a doação da casa e renda do sal de Lagos, “tal como fora concedida a seu pai, Álvaro de Ataíde, do Conselho d’el-Rei” (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 41, fl. 110v). Por outro lado, é igualmente Nuno Fernandes de Ataíde que, em 1499, marca presença no juramento do príncipe D. Miguel, tal como regista António Caetano de Sousa em Provas da Historia Genealogica da Casa Real Portugueza (Tomo II). É, portanto, legítimo pensar que Álvaro de Ataíde terá falecido em 1498, já que não mais volta a ser mencionado na documentação. As genealogias conhecidas coincidem quanto à descendência de Álvaro de Ataíde: Nuno Fernandes de Ataíde (o célebre capitão de Safim); D. Margarida de Ataíde, casada com Diogo Moniz (alcaide-mor de Silves) e D. Catarina de Ataíde, casada com o famoso navegador Vasco da Gama (conde da Vidigueira). Teve ainda outros filhos ilegítimos: Álvaro de Ataíde (que morreu sem geração) e Tristão de Ataíde, que veio a ser capitão de Maluco, Cananor e Mazagão. É caso para dizer que este guerreiro do século XV e alcaide-mor de Alvor era familiar de algumas das figuras mais célebres da História da Expansão Portuguesa.

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*Historiador

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