De Évora para Castro Marim: João Fernandes de Oliveira

Um Alcaide e Comendador da Ordem de Cristo no Baixo Guadiana no século XV

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A vila e o termo de Santo António de Arenilha foram criados por ordem de D. Manuel I a 8 de Fevereiro de 1513. O território da nova povoação piscatória, estabelecida junto à foz do Guadiana, compreendia a actual área das freguesias de Vila Real de Santo António e de Monte Gordo, que até aí pertencia ao termo de Castro Marim desde 1277, vila que usufruía do rendoso comércio de pescado na sua costa. A Ordem de Cristo – cuja primeira sede permaneceu em Castro Marim entre 1319 e 1357 – tinha direitos tributários sobre as pescas nos ricos mares de Monte Gordo, entre outras rendas, propriedades urbanas e agrícolas, direitos administrativos, judiciais e comerciais na vila e no termo, que pertenciam à comenda da ordem em Castro Marim. O primeiro registo conhecido remonta ao final de Outubro de 1509, no Tombo da Comenda (ANTT, Ordem de Cristo/Convento de Tomas, Lv. 310, fls. 80-97v). Nesta data, faziam também parte da comenda várias propriedades urbanas e agrícolas em Castro Marim e Évora, que tinham sido legadas por João Fernandes de Oliveira, anterior alcaide-mor e comendador da ordem em Castro Marim.

Mas quem era João Fernandes de Oliveira? Através da documentação da Torre do Tombo e de trabalhos de autores como Alberto Iria, Onde foram, em Castro Marim, o primeiro convento da Ordem de Cristo e as mais antigas casas de residência dos seus comendadores, Sebastiana Lavouras Lopes, em Os bens de Frei João Fernandes de Oliveira na comenda da Ordem de Cristo de Castro Marim e Castro Marim no início do século XVI – Imagem dada pela comenda da Ordem de Cristo, ou de Isabel L. Morgado de Sousa e Silva, em A Ordem de Cristo (1417-1521), ficamos a conhecer mais sobre o comendador. João Fernandes terá sucedido a Manuel Pessanha na alcaidaria e comenda de Castro Marim, por volta de 1460. Para além destes cargos, foi também comendador das Olalhas (Tomar), claveiro-mor, fronteiro-mor, fidalgo da casa do Duque de Viseu e conselheiro régio. A importância comercial de Castro Marim, enquanto porto fronteiriço e também pela sua riqueza piscatória, não deixou o comendador indiferente. Em 1475 recebeu de D. Afonso V o direito de exploração das suas comendas, que incluíam as rendas e direitos reais sobre as enxávegas, inicialmente estipulado pelo período de 3 anos, mas que aparentemente se prolongou (ANTT, Chancelaria de D. João II, Lv. 4, fl. 27). Entre 1484-86, decorreu um processo movido pelo comendador contra os rendeiros das dízimas de Faro, António Correia, Gil Esteves, João Soeiro, Azemete e Yuda Parente, que não respeitavam os seus direitos tributários sobre o pescado. Desconhecemos a sentença, mas em setembro de 1486 decorreu uma inquirição para aferir quais os direitos da milícia em Castro Marim, sobretudo, os direitos sobre as pescarias na costa algarvia. O inquiridor, Diogo Sanches, confirma os direitos e informa D. João II que a João Fernandes cabia a metade enquanto comendador de Castro Marim e a outra metade por doação real (ANTT, Gavetas, Gav. 20, mç. 7, Nº 44). O monarca também concede ao comendador o direito de legar o direito real sobre as pescarias ao seu filho, o fidalgo Jorge de Oliveira, após a sua morte (ANTT, Chancelaria de D. João II, Lv. 4, fl. 35v). Como refere Hugo Cavaco em trabalhos como Castro Marim Quinhentista, O Foral Novo (de 1504) ou o Tombo da Comenda (de 1509), subsídios para uma interpretação histórica da vila, a preocupação pelos negócios terá motivado também a compra da casa no arrabalde da Ribeira, a principal zona comercial de Castro Marim, onde passaria a residir e ficaria mais próximo ao comércio. Esta casa fazia parte do património doado à comenda. Em Julho de 1492, sucede-lhe nos cargos em Castro Marim um dos seus vários filhos, Lopo Mendes de Oliveira, que teria papel fundamental na vila na transição entre os séculos XV e XVI. João Fernandes de Oliveira terá legado os cargos ainda em vida, possivelmente por sua iniciativa, dado que ainda vivia em 1497 (ANTT, Chancelaria de D. Manuel, Lv. 30, fl. 134v) o que mostra a tendência geral de patrimonialização e hereditariedade das comendas no século XV.

João Fernandes O
Frontispício da sentença testemunhável da acção movida por João Fernandes de Oliveira contra António Correia, Gil Esteves, João Soeiro, Azmete e Yuda Parente, sobre os direitos do pescado nos mares do Algarve. A.N.T.T., Feitos da Coroa, Núcleo Antigo 244

A questão seguinte é saber qual a relação do comendador com Évora, ao ponto de ter deixado património seu naquela cidade à comenda de Castro Marim. As respostas estão nas suas origens familiares. Através dos estudos de João Luís Inglês Fontes, em Da «pobre vida à Congregação da serra de Ossa: génese e institucionalização de uma experiência eremítica (1366-1510) e de Joaquim António Felisberto Bastos Serra, em Governar a cidade e servir o Rei: A oligarquia concelhia de Évora em tempos medievais (1367-1433), ficamos a saber que João Fernandes Oliveira era filho de Fernando Afonso Cicioso e de Inês Mendes de Oliveira, e que descendia de uma importante oligarquia de Évora, com importantes ligações à diocese e à administração concelhia. O seu pai assumiu importantes cargos concelhios, como regedor, vereador, procurador dos fidalgos e regedor dos pobres; pertenceu também à casa do Infante D. Henrique, primeiro como escudeiro e depois como cavaleiro; foi ainda vassalo régio, tendo recebido avultadas tenças de D. Duarte e de D. Afonso V. O seu poder económico terá sido considerável, ao ponto de ter concedido um empréstimo de 500 moios de trigo ao próprio infante D. Henrique. Em termos sociais e religiosos, foi benemérito dos pobres de Montemuro (Aveiro), bem como de investimentos a favor de outras instituições religiosas na região. Seguindo a lógica de perpetuação social e política da família, o seu filho homónimo integrou o cabido eborense, enquanto João Fernandes de Oliveira, como temos dado conta, ingressaria na Ordem de Cristo.

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O presente texto, de teor meramente informativo, teve como propósito central perceber a ligação de João Fernandes Oliveira a Évora a partir dos estudos conhecidos, já que os mesmos nunca tinham feito tal ligação, apesar do seu património na região eborense. As suas origens ajudam-nos a compreender não só a sua chegada a Castro Marim, dada a proximidade familiar à Ordem e à coroa, e consequente ascensão social e económica na região algarvia nas cerca de três décadas que liderou a alcaidaria e comenda da Ordem de Cristo em Castro Marim. Consideramos que, pela sua importância a nível local e regional na segunda metade do século XV, João Fernandes de Oliveira merece um estudo mais aprofundado.

*Técnico Superior de Património Cultural
Câmara Municipal de Castro Marim

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