Fundos europeus transfronteiriços “dividem” autarcas raianos

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O novo programa "Interreg Espanha - Portugal" de 2021 até 2027, da Comissão Europeia, vai atribuir 320 milhões de euros para a cooperação transfronteiriça entre os dois países. Ainda sem um valor destinado ao Algarve, o JA questionou as autarquias de Castro Marim (PSD), Vila Real de Santo António e Alcoutim (PS) que expressaram opiniões distintas e algumas críticas. No entanto, até agora não existe estratégia definida e conjunta entre os municípios de fronteira, que sendo dos mais necessitados não conseguem, por vezes, usufruir dos fundos por falta de capacidade financeira, comparada com concelhos mais ricos que precisam de menos apoios

Considerado como o maior programa de cooperação transfronteiriça da União Europeia, aprovado a 23 de agosto, é destinado a regiões com fronteira, com o objetivo de melhorar a investigação e a transferência de conhecimentos através de redes entre pequenas e médias empresas.
O programa pretende ainda financiar projetos para melhorar a eficiência energética dos edifícios públicos, apoiar o turismo sustentável, a preservação do património cultural, melhores infraestruturas de saúde e formação profissional para as pessoas que vivem em regiões transfronteiriças.
“Congratulo-me por ver que o maior programa de cooperação transfronteiriça da Europa foi aprovado. Muitos dos desafios que as regiões da Europa enfrentam atualmente só podem ser enfrentados com uma maior cooperação regional. O programa POCTEP explora todo o potencial de cooperação entre as regiões fronteiriças de Espanha e Portugal. Irá criar empregos, impulsionar a transição climática e energética e proporcionar melhores cuidados de saúde para as pessoas que vivem nestas regiões”, refere Elisa Ferreira, Comissária para a Coesão e Reformas, em comunicado.
No entanto, parece que nem todos os municípios raianos estão contentes com algumas das características destes fundos europeus.

Filomena Sintra (vice-presidente de Castro Marim), Osvaldo Gonçalves (presidente de Alcoutim) e Álvaro Araújo (presidente da Câmara de VRSA)

Interreg é “uma certa falácia”
Para a vice-presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, Filomena Sintra, o programa Interreg “é uma certa falácia”, uma vez que “durante este tempo, no Algarve, se calhar foi o barlavento ou a zona central quem mais beneficiou”.
“Isto está muito relacionado com as dinâmicas dos municípios. O Interreg só financia e só reembolsa muito tempo depois de executar. E quem consegue executar são os municípios que têm dinheiro. Mais uma vez, não há mecanismo nenhum para reduzir a assimetria, nem que facilite e agilize a execução e com uma agravante: os empréstimos necessários para executar um projeto cofinanciado normalmente são excecionados do endividamento municipal”, explica ao JA.
O braço direito de Francisco Amaral, apesar das críticas, considera que o Interreg “é um fundo importante e necessário” e que o município irá concorrer, uma vez que “já não consegue executar o seu programa sem ter fundos comunitários”.
“Faremos um esforço como temos feito sempre até aqui, mas nunca vimos nenhuma majoração. Às vezes não é o dinheiro, é o mecanismo de execução que devia ser favorável aos municípios que não têm tesouraria, porque o Interreg reembolsa muito tempo depois de executar. Nem podemos ir aos empréstimos do Banco Europeu de Investimentos”, acrescenta.
Segundo Filomena Sinta, a Lei das Finanças Locais, o Tribunal de Contas e o mecanismo de reembolso de despesa “não permitem aos municípios pequenos avançarem com investimentos estruturantes cofinanciados, muito menos no Interreg que não compatibiliza isso com os empréstimos do Banco Europeu de Investimentos”.
“Não há nada que majore estes municípios raianos. Isso é uma falácia”, salienta.
Todas estas críticas e dificuldades já foram transmitidas por Filomena Sintra à ministra da Coesão Terrirorial, Ana Abrunhosa, depois do município de Castro Marim ter desistido de uma candidatura.
“Tínhamos 600 mil euros alocados e a verba vai ser transferida para Loulé, porque eles têm capacidade de executar e nós não temos disponibilidade financeira para avançar com dois milhões de euros numa obra e só depois receber os 600 mil. Então tivemos de abdicar porque não podemos pedir o empréstimo. Não é má vontade”, conta ao JA.
Filomena Sintra considera que é necessária “coragem política de investir na redução da assimetria dos dois lados da margem do Guadiana” e que todas as regiões de fronteira sejam “cada vez menos periféricas”, em vez de dar “subterfúgios para financiar obras para os municípios que não têm isso como prioridade ou que têm outra capacidade para gerar receita”.
“Se não combatermos essa assimetria nunca chegaremos lá e vão existir sempre dificuldades”, refere.
Para Filomena Sintra, uma candidatura conjunta dos municípios de Castro Marim, Vila Real de Santo António e Alcoutim “não iria trazer vantagem nenhuma”, uma vez que “o sucesso do Interreg não é a dimensão da candidatura”, pois o segredo para a sua aprovação “é ter um bom parceiro espanhol”.
“É a força política da negociação entre Portugal e Espanha que faz aprovar candidaturas. Podemos ter aqui um projeto que é determinante para a região do Algarve, mas se do lado de lá não houver um parceiro forte que o Governo espanhol considere prioritário, a candidatura não é aprovada. E o Governo português não tem capacidade para o aprovar”, explica.

Alcoutim
Alcoutim

Programa não soluciona problemas na saúde
Para o presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, Osvaldo Gonçalves, o novo programa do Interreg não vai servir para resolver os problemas que existem atualmente na saúde no Algarve e no País.
“Temo que não haja Interregs nem nada que sirva para resolver os problemas da saúde, se nós não corrigirmos aquilo que são os défices de problemas estruturais que existem. Tem havido alguma dificuldade nos últimos Governos em fazer este tipo de alterações e eventualmente não será muito fácil, mas se nós não fizermos essa correção ao nível estrutural, dificilmente vamos conseguir resolver o problema com medidas de apoio acompanhadas de um projeto de financiamento de 8 ou 10 milhões de euros, que não dá para mandar cantar”, refere ao JA.
O edil de Alcoutim considera que no sotavento é necessário “muito investimento na área da saúde”, começando por “ir à raiz do problema, apesar de parecer que ninguém está com muita vontade de o fazer”.
“O que faz falta é mão de obra. Fazem falta técnicos, médicos e enfermeiros e atraí-los. O problema é também a falta de incentivos e de uma alteração estrutural do mecanismo que permita mais trabalhadores e que sejam tratados de uma melhor forma”, acrescenta.
Osvaldo Gonçalves refere ainda que “a política tem de ser alterada” pois “não podemos dizer que há falta de médicos e que não têm dinheiro para contratar pessoas, quando depois são pagas fortunas em horas extraordinárias a médicos tarefeiros”.
Para esta área, Osvaldo Gonçalves tem muitas ideias e desafios, tal como trazer médicos e profissionais de saúde para Alcoutim, mas admite que pode aproveitar estes fundos europeus para realizar algumas melhorias ou obras nas suas infraestruturas de saúde.
“Temos boas condições e equipamentos, mas o que nos falta é pessoal. Neste momento temos dois médicos de saúde pública, com uma taxa de cobertura total para aquilo que são os rácios definidos pelo Ministério da Saúde, mas eu não concordo com essas condições”, explica.
O presidente da autarquia do interior algarvio considera que é necessário “alterar os conceitos de distribuição dos médicos de família”, pois naquele território existem pessoas “que precisam do médico todas as semanas porque precisam de cuidados permanentes e com maior frequência”, devido à idade avançada.
“É inexequível. Dentro do número que foi calculado para este rácio existe uma pirâmide geracional que é completamente inversa à nossa, em que existe uma percentagem de 10% de pessoas com mais de 85 anos e outra percentagem de pessoas que não vão ao médico”, acrescenta.
Osvaldo Gonçalves afirma que “deveria de haver uma outra forma de olhar para estes rácios, de uma forma discriminativa, mas positiva”.

Não faltarão projetos e oportunidades
Em relação ao novo programa do Interreg, Osvaldo Gonçalves considera que “é uma forma de se olhar para estes territórios, que antes eram os pioneiros e os principais beneficiários destes fundos. Com o evoluir e as alterações que foram acontecendo, esses fundo foram dispersos e mais alargados para o interior e para toda a região”.
Este novo programa “é uma aplicação e uma previsão em termos macros, mas depois hão-de sair avisos específicos em função de cada área identificada. Nós vamos estar atentos àquilo que é da nossa abrangência e de cobertura para depois aplicar e apresentar candidaturas em função das disponibilidades e também adequadamente aos projetos que teremos de fazer”.
“Certamente que não faltarão projetos e oportunidades para nós reivindicarmos financiamento”, adianta.
Quando questionado acerca de uma união de forças entre os três concelhos algarvios que fazem fronteira com Espanha para uma candidatura, Osvaldo Gonçalves refere que “é uma questão de encontrar um objeto que seja comum, quer seja a nível transfronteiriço ou de todo o sotavento”.

Fundos comunitários são uma oportunidade
O presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Álvaro Araújo, considera os fundos europeus, nomeadamente o novo programa do Interreg, como “a oportunidade” para melhorar o concelho, que continua a ser um dos mais endividados do País.
“Não são uma boa oportunidade, são ‘a oportunidade’! Na sua generalidade, os fundos europeus apresentam uma taxa de financiamento que consegue ser favorável para a fragilidade financeira e económica do município, considerando que costumam financiar os projetos em torno de 80% dos valores elegíveis totais. Logicamente que o financiamento não reembolsável a 100%, como acontece no PRR, é mais benéfico para nós mas não será por isso que os fundos europeus serão descartados. Existem maneiras de justificar os restantes 20%, sem trazer prejuízo para o município.”, explica.
Álvaro Araújo recorda ainda que ao longo dos últimos anos o Interreg tem sido utilizado através da Eurocidade do Guadiana, composta pelos municípios de Vila Real de Santo António, Castro Marim e Ayamonte, nomeadamente no último quadro comunitário onde foi desenvolvido o projeto EuroGuadiana 2020.
Este projeto “concentrou-se em seis eixos de atividades: a governança e coordenação intermunicipal, a agenda urbana, a mobilidade e a acessibilidade, a estratégia de turismo conjunta, a gestão e coordenação e, por fim, a comunicação”.
Apesar do novo programa encontrar-se “numa fase muito embrionária”, o município de Vila Real de Santo António pretende candidatar-se a novos fundos comunitários do Interreg, no âmbito do projeto da Eurocidade do Guadiana.
“Estamos já a analisar as possibilidades de atividades que possam ser desenvolvidas em conjunto” com os municípios vizinhos e “enquadradas nos objetivos estratégicos” do programa, adianta.
“Decorrerão a curto prazo as reuniões para definir os objetivos prioritários e prioridades de investimento, bem como os valores de financiamento para cada uma delas. O turismo e a transição climática e energética são, neste momento, eixos prioritários mas não descuramos, obviamente, as restantes áreas de intervenção”, acrescenta.
Atualmente, juntamente com o município de Alcoutim, a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António está a desenvolver o projeto da estação náutica do Guadiana, através de outro fundo comunitário, mas no futuro poderão se “alinhar medidas e ações dentro do espetro” do Interreg.
“Temos disponibilidade para colaborar, sendo que as políticas de isolamento não se coadunam com a nossa ambição e perspetiva para o desenvolvimento do território. E, pese embora tenhamos realizado candidatura no âmbito da Eurocidade no último quadro comunitário, podemos sempre envolver outras entidades noutros projetos também. No fundo, podemos ir até onde a elegibilidade permitir e até onde fizer sentido, com a nossa visão de território”, refere.

Centro de Saúde de Castro Marim

Obrigados a fazer uma obra para a qual não foi dada verba

No âmbito das transferências de competências, Filomena Sintra considera que o Governo deu um “presente envenenado” aos municípios, ao transferir os seus equipamentos “obsoletos e a precisar de intervenções” para as autarquias.
Para realizar essas intervenções, os municípios “têm agora que arranjar fontes de financiamento através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que há de acabar, ou através de outros fundos comunitários”.
No caso do município de Castro Marim, recorrer a fundos comunitários “é uma inevitabilidade”, pois “para cumprir aquilo que o Estado nos obrigou a fazer, ao aceitar as escolas e os centros de saúde, vamos ter de arranjar fontes de financiamento”.
Apesar de existir um programa funcional para o centro de saúde de Castro Marim, no valor de 256 mil euros em intervenções, “face ao programa e a preços de mercado atuais, é impossível lançar uma obra com esses valores”.
“A Câmara não pode lançar meias obras. É óbvio que vai ter de fazer um esforço para encontrar as fontes de financiamento. Vamos ter de concorrer e depois o dinheiro logo se vê. No caso do Interreg, se houver uma linha específica para a saúde tentaremos compatibilizar”, conclui.

Centro de Saúde de Monte Gordo

Obras nos centros de saúde de Monte Gordo e Cacela

Ao JA, Álvaro Araújo revelou que estão a ser desenvolvidos projetos no âmbito do PRR, que serão entregues no final de setembro, para a requalificação e adaptação do edifício do centro de saúde de Vila Nova de Cacela e a construção de novas unidades em Monte Gordo.
O centro de saúde de Vila Nova de Cacela será intervencionado “com vista à eficiência energética, no cumprimento de planos de contingência” e no conforto dos utentes e profissionais.
Ainda no âmbito da saúde, incluído no Quadro Comunitário 2014-2020, a Eurocidade do Guadiana irá reativar o Cartão do Eurocidadão, cujos utilizadores “podem usufruir de descontos ultimados com as empresas situadas na cobertura geográfica em questão e o acesso a meios de saúde nos dois lados da fronteira”.
Atualmente o município de Vila Real de Santo António encontra-se em “fase de reformulação do layout” para uma candidatura para a reformulação dos serviços de atendimento ao público com uma Loja do Cidadão, com a formalização de interesse da Autoridade Tributária, a Segurança Social e o Espaço do Cidadão.
Em desenvolvimento está ainda a candidatura do GreenVil@rt, um laboratório de atividades itinerante pelo programa Erasmus+ e outros projetos no âmbito das linhas Transformar Turismo do Turismo de Portugal.
A candidatura para os Bairros Digitais, anunciada há poucos meses, já foi submetida com o objetivo de “desmaterialização de alguns processos de compra, criação de um mercado online, melhoria das plataformas de logística e melhoria da sinalética e equipamento” do Centro Comercial a Céu Aberto, “trabalhando paralelamente na divulgação da oferta e publicidade” no centro histórico de Vila Real de Santo António “que tem, com muito esforço, ultrapassado os desafios colocados pelas grandes superfícies”, incentivando assim a economia local.

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