Homens do infante D. Henrique em Castro Marim

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Retrato tradicionalmente atribuído ao Infante D. Henrique e publicado na Crónica do
Descobrimento e Conquista da Guiné,
de Gomes Eanes de Zurara (edição de 1841). B.N.P., H.G. 3597 V

Muito se tem escrito sobre o infante D. Henrique enquanto figura incontornável da História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses. Do mesmo modo, e ainda que em menor escala, também algo se tem vindo a escrever sobre Castro Marim enquanto primeira sede da Ordem de Cristo, não obstante a inexistência de um estudo dedicado ao papel destes herdeiros da Ordem do Templo nesta praça de guerra da foz do Guadiana entre a emissão da bula papal Ad ea ex quibus cultus augeatur, que institui a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, em 1319, e a transferência da mesma para o Convento de Tomar, em 1357. Ora, tendo sido o infante D. Henrique administrador e governador da Ordem de Cristo, pode parecer estranho que a sua relação com Castro Marim nunca tenha constituído objecto de estudo, principalmente se tivermos em consideração que esta praça de guerra se destacava como a única comenda da Ordem no Reino do Algarve, região onde o “Navegador” se estabeleceu após a conquista de Ceuta de 1415.

De facto, por entre os argumentos apontados para se fixar a sede da Ordem de Cristo em Castro Marim, em 1319, aludiu-se à privilegiada localização do seu castelo, nomeadamente, à sua proximidade ao Norte de África: “Castello muy forte, a que a disposição do lugar faz muy defensavel que he na frontaria dos ditos inimigos”, tal como podemos comprovar nas Deffiniçoens & estatutos dos cavalleyros da Ordem de Nosso Senhor Jesu Christo. É nesse sentido que, após a conquista de Ceuta, onde o infante D. Henrique foi armado cavaleiro, Castro Marim passou a assumir um papel de importância no projecto expansionista da dinastia de Avis. Note-se, aliás, que D. João I só determinou a criação de um couto para quarenta homiziados em Castro Marim em 1421, meses depois de recair sobre o infante D. Henrique a responsabilidade da administração e governo da Ordem de Cristo, em 1420.

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Bula Ad ea ex quibus cultus augeatur, do papa João XII, pela qual instituiu a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo. A.N.T.T., Gavetas, Gav. 7, maço 5, N.º 2

De facto, os fundos documentais quatrocentistas revelam que as exigências da Expansão conduziram à necessidade de se fixar em Castro Marim uma rede clientelar subordinada ao infante D. Henrique, responsável pela defesa e provimento de Ceuta a partir de 1416. Com efeito, uma breve sondagem à documentação acondicionada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo revela que vários moradores desta praça de guerra foram nomeados besteiros da câmara do infante D. Henrique em 1445, como Aires Pires (Chancelaria de D. Afonso V, lv. 5, fl. 2), Martim Afonso(Chancelaria de D. Afonso V, lv. 25, fl. 27), Afonso Garcia (Chancelaria de D. Afonso V, lv. 25, fl. 36v) ou João Bernardes (Chancelaria de D. Afonso V, lv. 25, fl. 36v), numa altura em que as caravelas portuguesas partiam do Algarve rumo ao noroeste africano em missões de reconhecimento da costa e de onde lançavam incursões em busca de escravos. É nesse contexto que encontramos o acima referido João Bernardes, morador em Castro Marim e besteiro da câmara do infante D. Henrique, como piloto de uma das nove caravelas que, em 1446, realizou uma surtida na qual foram aprisionados quarenta e oito mouros nas costas da Mauritânia, tal como regista Gomes Eanes de Zurara no Capítulo 88 da Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné. De resto, a rede clientelar do “Navegador” em Castro Marim não se circunscreve a estes anos da década de quarenta do séc. XV nem aos seus besteiros da câmara. A documentação quatrocentista permite-nos encontrar escudeiros e ainda oficiais de maior status social. Entre os escudeiros do infante D. Henrique em Castro Marim encontramos indivíduos como João de Sintra,nomeado coudel daquela vila em1433 (Chancelaria de D. Duarte, liv. 3, fl. 27v.), Rui Guterres, nomeado escrivão do almoxarifado e dos feitos das sisas régias daquela vila, em 1456 (Chancelaria de D. Afonso V, lv. 13, fl. 37), ou Vicente Eanes, criado do infante D. Henrique nomeado para o cargo de vedor dos vassalos régios na mesma vila e no seu termo, em 1463 (Chancelaria de D. Afonso V, lv. 9, f. 69).

Representação no castelo de Castro Marim em O Livro das Fortalezas, de Duarte de Armas. A.N.T.T., Códices e documentos de proveniência desconhecida, Nº 159.

A nível do oficialato superior, encontramos indivíduos como Vasco Eanes Corte Real, que foi capitão da cavalaria de Castro Marim antes de 1433 (Chancelaria de D. Duarte, liv. 3, fl. 27v) e era filho de Vasco Eanes, que acompanhou D. Henrique durante a conquista de Ceuta (Zurara, Crónica da Tomada de Ceuta, Capítulo LXXII), Diogo Lopes, cavaleiro da casa do infante D. Henrique e comendador de Castro Marim, nomeado vedor dos vassalos régios moradores na dita vila e termo, em 1444 (Chancelaria de D. Afonso V, liv. 25, fl. 9v), ou Manuel Pessanha, camareiro-mor do infante D. Henrique e comendador de Castro Marim, incumbido por D. Afonso V de guardar e defender os portos do Algarve “do contrabando que por ali se faz(Chancelaria de D. Afonso V, lv. 34, fl. 123). Aliás, tal como já tivemos oportunidade de escrever em A conquista e destruição de Anafé (Casablanca) pelo Infante D. Fernando (1468), baseando-nos na Crónica de D. Afonso V de Rui de Pina, o próprio infante D. Henrique permaneceu durante algum tempo em Castro Marim, quando ali esperou o infante D. Fernando, o seu sobrinho e herdeiro, entretanto regressado ao reino depois da sua passagem por Ceuta, em 1453 (Cap. CXXXIV).

Resumidamente, a relação do infante D. Henrique com esta vila da foz do Guadiana, assim como o estabelecimento de muitos dos seus apaniguados nesta praça de guerra à qual se refere como “mjnha villa de Crasto Marjm(Gav. 17, maço 7, Nº 15), são temas que, curiosamente, nunca constituíram objecto de estudo, contrariamente ao que acontece com outras publicações como O Infante D. Henrique, Alcaide-Mor de Silves (1457). Esperamos, portanto, que o pequeno contributo que agora apresentamos alerte os investigadores e a comunidade científico-académica para as potencialidades de uma hipótese de trabalho que permanece inédita, não obstante o grande interesse de que se reveste. Utilius tarde quam nunquam.


*Historiador

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1 COMENTÁRIO

  1. Um Nascer Um Pôr Do Sol.
    De Seu Vicente não é Dom e não é Infante é Imperador de seu Algarve.
    Muito se Desconhece mas não é Descobrimento.
    Seu Douro sua Margem Sua Casa de Seu Savarão de seu Enigma.
    Parabéns na Sua Continuação e de Sua não Conclusão.

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