José Gonçalves: “Há dois pesos e duas medidas no caso do petróleo”

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“Esta ‘experiência’ (petróleo) constituirá o maior e mais rude golpe aplicado a esta região, ao ambiente, ao seu turismo, aos algarvios e ao nosso futuro”, considera o autarca de Aljezur

O autarca socialista de Aljezur acusa o Governo de ter “dois pesos e duas medidas”. Se, por um lado, as petrolíferas ficaram dispensadas de estudo ambiental para avançar com a prospeção de petróleo ao largo de Aljezur, por outro, José Gonçalves lembra que “para qualquer intervenção nos portinhos de pesca do concelho, por exemplo, é indispensável uma avaliação de impacto ambiental”. O presidente da Câmara de Aljezur fala ainda de outras “injustiças” que “é urgente corrigir” para melhorar a vida da população, assim como aborda o polémico processo de Vale da Telha, que ditou o afastamento do seu antecessor, José Amarelinho

 

NUNO COUTO

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Jornal do Algarve – Há uma maioria clara na região contra o projeto petrolífero ao largo de Aljezur. No entanto, apesar das consultas públicas e das auscultações aos autarcas, o furo do consórcio Eni/Galp continua a ser uma possibilidade muito real. Considera, sinceramente, que ainda é possível travar o início da exploração?
José Gonçalves – Como é público, a Associação de Municípios Terras do Infante (Lagos, Vila do Bispo e Aljezur) solicitou ao primeiro-ministro uma audiência com caráter de urgência, acerca do furo de prospeção de petróleo ao largo de Aljezur. Queríamos dar conta na “primeira pessoa” da posição desta associação, que é sobejamente conhecida. Esta “experiência” vai completamente ao arrepio do que o Governo português assumiu nas conferências das Nações Unidas para as mudanças climáticas (Cop21 de Paris e Cop22 de Marraquexe) e constituirá o maior e mais rude golpe aplicado a esta região, ao ambiente, ao seu turismo, aos algarvios e ao nosso futuro. Foi-nos comunicado que a nossa solicitação mereceu a melhor atenção e foi encaminhada para o gabinete do ministro da Economia e para o gabinete do ministro do Ambiente. De um e de outro, não recebemos até ao momento qualquer contacto. Vamos aguardar…!

J.A. – E o que ainda podem fazer os municípios do Algarve e os movimentos anti-petróleo para travarem o furo ao largo de Aljezur, que atualmente está suspenso devido a uma providência cautelar da PALP?
J.G. – No seio da AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) a posição é perfeitamente clara: somos e seremos sempre contra a prospeção de petróleo na costa algarvia, considerando que o contrato ainda em vigor deve ser rescindido. A AMAL acompanhou sempre de muito perto esta temática. Os contratos em terra (onshore) atribuídos à Portfuel – e entretanto cancelados pelo atual Governo – vieram de facto contribuir para uma mais atenta e permanente atenção a esta matéria. Relativamente aos processos que estão em tribunal, vamos aguardar as suas tramitações e decisões finais. Todavia, sem esquecer a luta e determinação da sociedade civil, associações, plataformas e diferentes grupos. A PALP conseguiu para já resultados muito positivos através da via judicial. Por outro lado, a decisão tomada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), sem que o Governo se tenha oposto, de não obrigar a avaliação de impacto ambiental, tratou-se de mais uma decisão errada e incompreensível. Há claramente dois pesos e duas medidas neste caso. Eu relembro que, para qualquer intervenção nos portinhos de pesca do nosso concelho, por exemplo, é indispensável um estudo ou uma avaliação de impacto ambiental. Não se entende!

A posição da autarquia e da população de Aljezur em relação ao furo de petróleo está bem patente à porta da câmara municipal

J.A. – Em alguns países produtores de petróleo, os chamados “royalties” (lucros) são revertidos para o financiamento da saúde ou da educação, com benefícios para a população local. Se essa situação acontecesse no Algarve, em particular em Aljezur, acha que os autarcas e a população poderiam ponderar, ou até aceitar, a exploração de petróleo?
J.G. – Se para o país é estratégico conhecer o que temos nos subsolos, então defendo que seja o Estado a liderar todo o processo e ficar com essa informação. Mas quanto ao potencial de riqueza de que se fala, é preciso frisar que, iniciada a prospeção, está aberta a porta à exploração. E essa exploração será rentável para as petrolíferas, mas não para o Estado português. Todos o sabem! A salvaguarda do interesse público é um dos pilares da constituição portuguesa, logo a temática “alterações climática” e “ambiente”, sendo interesse público, tem que ser desígnio nacional. Recordo o que António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, disse numa conferência mundial na Áustria: “Precisamos de uma nova revolução energética. A idade da pedra não acabou porque as pedras desapareceram do mundo. Não temos de esperar que o óleo e o carvão acabem para acabar com a idade de combustíveis fósseis.”

J.A. – Que outros problemas e ameaças enfrenta atualmente o concelho de Aljezur? E como é que a câmara municipal tem enfrentado esses problemas?
J.G. – Aljezur tem tudo para ser um concelho com boas perspetivas no futuro. Contudo, existem, eu não diria ameaças, mas desafios, aos quais serão necessários fazer ver, a quem tem o poder de decisão, os nossos pontos de vista e as nossas argumentações. A gestão autárquica coloca-nos todos os dias desafios, que nos obrigam a dar respostas, no sentido de tentarmos melhorar a vida dos nossos munícipes. O perímetro de rega do Mira é uma matéria que neste momento esta a ser discutida, onde serão necessários entendimentos, para criar regras que não coloquem em causa outras atividades, procurando aqui encontrar equilíbrios. O ordenamento do território é outro grande desafio. Existem uma série de documentos de ordenamento do território que, não sendo responsabilidade direta do município, temos que trabalhar nos mesmos, pois são de extrema importância para este território. A revisão do plano da orla costeira entre Odeceixe e Vilamoura, a passagem do plano do parque natural (PNSACV) a programa, onde é urgente corrigir algumas injustiças, que teimam em continuar, nomeadamente no que diz respeito às zonas interditas à pesca, principalmente na zona do Rogil, assim como a avaliação de alguns defesos para a mariscagem e pesca. Em relação ao ordenamento das praias, é urgente olhar para o surf como um produto com um potencial muito importante, mas que é necessário tomar medidas de regulamentação e fiscalização mais efetivas, assim como o total desordenamento das caravanas, que começam a ser um problema muito sério. No fundo, é fundamental compatibilizar todos os valores ambientais com um desenvolvimento que se quer sustentável.

J.A. – O turismo está em alta na região, mas a oferta hoteleira do município de Aljezur continua aquém da procura. Há previsões de aumentar a oferta hoteleira?
J.G. – Existe hoje em dia uma grande procura e interesse por esta região. Os seus valores ambientais e a natureza não são indiferentes a alguns investidores que nos procuram. Por isso, irão surgir mais alguns investimentos na área do turismo. Posso adiantar que, finalmente, vai surgir uma área de serviço para autocaravanas, com cerca de 40 lugares, o que não é suficiente, pois apenas existe esta oferta no parque de campismo. Mas este é um tipo de investimento muito importante para podermos ordenar a problemática em torno da matéria das autocaravanas. Está também previsto o surgimento de dois hotéis, um com cerca de 60 quartos e outro de 23, mas com uma preocupação ecológica e ambiental elevada, assim como vão surgindo pequenos investimentos noutras áreas.

J.A. – E que perspetivas existem para mais investimentos públicos e privados?
J.G. – Existem algumas intenções de investidores para se instalarem na zona industrial, criando assim mais alguns postos de trabalho, em outras áreas que não o turismo. Temos de repensar a nossa zona industrial, de maneira a conseguir efetivar a procura que a mesma apresenta. Existem muitas intenções, mas algumas não se concretizam. Existe já um leque de empresas instaladas e irão surgir mais algumas a curto espaço de tempo, pois o preço do terreno é muito convidativo. E temos ainda a intenção de criar uma zona industrial ligeira em Odeceixe.

J.A. – Quais são as prioridades para este mandato?
J.G. – Temos em cursos vários processos e projetos que pretendemos desenvolver e avançar. Iremos retomar em breve a obra do parque ribeirinho de Aljezur e o passadiço pedonal junto à ponte, o parque verde dos Malhadais, o novo edifício dos paços do concelho, o projeto de renovação do mercado de Aljezur, a requalificação urbana de Maria Vinagre, assim como a escola e envolvente na Carrapateira. Ainda temos em curso o plano de pormenor de Vale da Telha, um plano importantíssimo para o concelho, assim como o plano de pormenor da Paisagem Oceano, que estará concluído até ao final do ano. Queremos também dar início à revisão do Plano Diretor Municipal, Plano Municipal de Defesa da Floresta e Plano Municipal de Proteção Civil.

J.A. – E que outras medidas estão a ser pensadas para incentivar o desenvolvimento do concelho?
J.G. – Existem vários outros projetos e obras que iremos lançar no decorrer do próximo ano. Um dos grandes desafios tem a ver com a habitação municipal, que é necessário darmos passos concretos, alterando loteamentos municipais em Odeceixe e Aljezur, e criando novos, em Rogil, Aljezur e Carrapateira. Iniciaremos a discussão sobre o caminho a tomar sobre a zona velha de Aljezur, nomeadamente os inúmeros edifícios, ruínas e espaços que foram adquiridos há mais de vinte anos e para os quais é necessário definir a nossa estratégia. Estamos a estudar os programas de apoio para darmos passos concretos dentro em breve.

J.A. – Quais são as principais dificuldades com que se debate o concelho de Aljezur? E quais são os principais desafios da sua gestão até ao final deste mandato (2021)?
J.G. – Uma das principais dificuldades, desde sempre, é a teia de planos de ordenamento, de várias ordens. Será fundamental existir apenas um plano que congregue todos: isto para o munícipe/cidadão seria de extrema importância. Temos desafios grandes pela frente, como resolver as questões relacionadas com o ordenamento do território, nomeadamente os planos como o POOC, revisão do PPNSACV e revisão do PDM. Está também em cima da mesa a descentralização das competências para os municípios, matéria que necessita de maior aprofundamento, ser mais amadurecida e, acima de tudo, precisamos de saber quais os meios e as responsabilidades que passam para as autarquias. Obviamente, existem ainda muitas obras que são estratégicas para o concelho e para a região, como voltar a colocar na agenda política o IC4, uma solução de alternativa ao trânsito dentro de Aljezur, o ordenamento e regras nas praias e algumas obras de requalificação e de novos equipamentos. Outro grande desafio é a diminuição da peugada ecológica do concelho. Para isso, teremos que aprofundar uma série de medidas e ações, que colocaremos no terreno, como mais reciclagem e mais locais para recicláveis, energias alternativas, práticas amigas do ambiente, entre outras.

J.A. – Aljezur também tem apostado muito na promoção da cultura e dos produtos locais. Quais as próximas novidades neste âmbito?
J.G. – Vamos continuar a apostar em iniciativas de vários âmbitos. Neste momento, está a iniciar-se uma nova programação no âmbito do 365 Algarve, onde iremos ter uma programação de grande nível, com o projeto Lavrar o Mar, a aposta nos produtos locais, como a batata-doce, e estamos apostados em melhorar o mercado do agricultor e a Feira da Terra. Já no início do ano iremos também receber a segunda edição da BTN (Bienal Turismo da Natureza), em parceria com a Associação Vicentina, que vai colocar mais uma vez Aljezur no centro do turismo de natureza. Continuaremos a apostar na cultura, com exposições em vários locais, e continuaremos a aposta editorial, estando para breve a apresentação de um livro de grande qualidade sobre o concelho, a sua história em fotografia.

J.A. – A saúde é uma das grandes preocupações da população de Aljezur. Que trabalho tem sido desenvolvido pela câmara nesta área?
J.G. – Na saúde, o trabalho desenvolvido tem-se norteado pela atenção às pessoas e às suas necessidades, procurando, sobretudo, que no concelho possa haver mais respostas de proximidade. O nosso afastamento em relação aos centros, nacional e regional, traz grandes problemas à vida das pessoas, porque não podem aceder aos serviços em pé de igualdade com outros cidadãos. É mais penalizador ainda porque acentua as desigualdades sociais dentro do concelho, entre aqueles que têm meios e recursos para procurarem fora, e os que não os têm. A câmara tem mantido uma grande proximidade com o setor, de modo a conhecer em tempo real as condições que existem em Aljezur. Podemos orgulhar-nos dos equipamentos que temos no concelho – o centro de saúde em Aljezur e as extensões de Odeceixe e Rogil, para as quais o município contribuiu. Mas no que está ao alcance da autarquia, temos sido uma voz reivindicativa junto das entidades de regionais, porque, efetivamente, existem dificuldades nas respostas que as pessoas precisam. Recordo que, durante o governo do PSD e CDS, perdemos respostas que tínhamos conseguido trazer para o concelho, como a fisioterapia, por exemplo. Felizmente, já foi possível recuperar e hoje esta resposta está de novo no centro de saúde de Aljezur. Por outro lado, ainda não temos dentista através do SNS, o que obriga as pessoas de Aljezur a deslocarem-se a Lagos ou Portimão, mas trabalhamos na possibilidade de que isso possa acontecer. E esperamos que em breve possa haver também consulta de psicologia no centro de saúde. Enquanto estas respostas não estão disponíveis para todos, procuramos proteger as pessoas socialmente mais frágeis e carenciadas e, nesse sentido, temos protocolos com instituições locais de modo a que essas pessoas, por questões económicas, não fiquem sem cuidados de dentista, oftalmologia, consultas de especialidades, etc.. Também celebrámos recentemente um protocolo com a associação Dignitude, que vai permitir o acesso a medicamentos prescritos pelos médicos do SNS a pessoas com muito baixos rendimentos. Por outro lado, a existência de médicos no concelho sempre foi uma preocupação da autarquia. Nesse sentido, recentemente, o município de Aljezur disponibilizou apoio ao nível da habitação, que permitiu a fixação de uma médica em Aljezur. Este reforço no quadro médico do concelho foi fundamental para garantir o que há muitos anos não acontecia – médico de família para todos os utentes inscritos na UCSP do concelho e suas extensões.

J.A. – Na sua opinião, quais são as maiores qualidades e defeitos de Aljezur?
J.G. – Aljezur é um concelho que marca as pessoas pela positiva. Obviamente, sofremos dos problemas da distância em relação ao Algarve central, assim como o Algarve sofre em relação a Lisboa, e esse será talvez o maior defeito. Mas lembro que temos coisas únicas e fabulosas, como o mar e a terra, com todas as suas potencialidade e produtos de excelência. A tranquilidade e qualidade ambiental são as mais-valias desta região, assim como a maneira que os aljezurenses recebem quem nos visita, ou quem escolhe Aljezur para residir.

J.A. – Em março deste ano sucedeu a José Amarelinho na presidência da Câmara de Aljezur, na sequência do caso de Vale da Telha. Se a justiça vier a anular a sentença de perda de mandato, José Amarelinho regressa à presidência e você à vice-presidência?
J.G. – É do domínio público a relação privilegiada que tenho com José Amarelinho, não só do ponto de vista político, mas acima de tudo do ponto de vista da amizade pessoal. Todos sabemos que o José Amarelinho não é homem que se resigne com nada, muito menos com a injustiça de que foi alvo. Todavia, acredita na justiça e respeita escrupulosamente as suas decisões. Por isso mesmo apresentou dois recursos ao Supremo Tribunal de Justiça para uniformização de jurisprudência. Tanto ele, como creio que a esmagadora maioria dos aljezurenses e todos os que conhecem o processo, continuarão sem entender como é que licenciar obras de construção no perímetro urbano de Vale da Telha poderá ter constituído crime de prevaricação, ou violação, do PDM de Aljezur.

J. A. – Ou seja, acredita que a justiça ainda vai mudar a sentença?
J.G. – Tal como ele próprio referiu, não conseguiu provar que não cometeu esse crime de que é acusado em tribunal, lamenta, aceita, mas não desistirá de tentar provar o contrário. Ele nunca o referiu publicamente, mas sei que não se importará que eu cometa essa inconfidência: José Amarelinho suspendeu e renunciou ao mandato para o qual foi eleito para terminar de vez com o “ruído”, por vezes maldoso, que o processo provocava sempre que uma nova decisão vinha a público. Fê-lo para defender a sua família, os trabalhadores da câmara, o executivo, mas, acima de tudo, para defender e preservar uma das suas maiores paixões – Aljezur e os aljezurenses, para que a vida em comunidade e fora dela continuasse com toda a normalidade. Sabia e sabe que a equipa que sempre o acompanhou tinha todas as competências para pôr em prática o compromisso eleitoral que o PS apresentou em 2017 e que mereceu uma esmagadora maioria absoluta. É isso que faremos!

J.A. – E se o tribunal alterar a sentença, José Amarelinho poderá regressar à autarquia mais tarde?
J.G. – Porque sei, garanto-lhe que se esse facto que questiona ocorresse, José Amarelinho não voltaria à câmara. Ao contrário de alguns, sempre interpretou e interpreta de forma brilhante e rigorosa os verdadeiros valores da vida e da democracia, de todas as suas variáveis e dinâmicas. O que ele mais quer é o sucesso deste executivo no trabalho árduo e complexo que temos pela frente e ao qual todos nos propusemos em 2017.

J.A. – Então, isso significa que tem o caminho aberto para recandidatar-se nas próximas eleições à Câmara de Aljezur (2021). Já tomou essa decisão?
J.G. – Em relação às próximas eleições autárquicas, ainda será cedo para uma decisão, que será discutida e decidida no seio da concelhia do Partido Socialista e com a federação. Vinte anos de vida autárquica dá-me uma experiência acrescida e, ao mesmo tempo, mais responsabilidade. A seu tempo e no tempo certo tomarei essa decisão.

 

(ENTREVISTA PUBLICADA NA ÚLTIMA EDIÇÃO DO JORNAL DO ALGARVE – 11 DE OUTUBRO)

Nuno Couto|Jornal do Algarve

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