Há vários anos que Cacela Velha é alvo de escavações arqueológicas, como podem ser vistas junto à Ria Formosa e à Fortaleza. No entanto, no ano passado as buscas foram feitas noutro local, de onde saiu um novo ‘tesouro’.
Apesar não ser possível divulgar o local desta nova área arqueológica com o objetivo de protegê-la, este campo-escola decorreu entre os dias 27 de junho e 15 de julho do ano passado, com a participação de 27 pessoas, incluindo alunos da Universidade do Algarve, da Simon Fraser University do Canadá, investigadores e coordenadores científicos.
Necrópole a metros do mar
Neste novo local foram encontradas sete sepulturas, “das quais foram escavadas três”, segundo revelaram ao JA as investigadores Cristina Garcia e Maria João Valente.
“Caracterizavam-se por valas simples abertas no solo argiloso muito compacto, encontrando-se cobertas por telhas de canudo ou pedras. Cada sepultura continha ossos humanos correspondentes a um defunto deposto de acordo com o ritual funerário islâmico, ou seja com o corpo colocado em posição lateral e orientado para nascente”, explicam.
Assim sendo, toda a equipa conclui que foi ali encontrada a necrópole da Cacela medieval islâmica, ou seja, Qastalla Darrag, ampliando assim “a área arqueológica da Cacela na época islâmica, com o seu Castelo, o bairro portuário e a necrópole junto do caminho que conduzia à porta da alcáçova”.
“Do ponto de vista histórico-arqueológico, soma ainda as alterações introduzidas no espaço em consequência da Conquista Cristã no século XIII, como foi a construção da Ermida de Nossa Senhora dos Mártires e a respetiva necrópole medieval, que funcionou até à segunda metade do século XVI. Ou seja, Cacela é um verdadeiro laboratório ‘vivo’ de aprendizagem da história regional”, acrescentam.
Presença romana
Uma das sepulturas islâmicas que foi escavada “tinha a cobrir cerâmicas da época romana”, o que faz com que indique “a presença romana naquele lugar e o aproveitamento de materiais romanos na época medieval”, segundo as investigadoras.
Já as outras duas sepulturas não continham outros materiais, que normalmente são estudados posteriormente.
“Cada escavação arqueológica traz vestígios à superfície e permite recolher uma quantidade considerável de materiais, como cerâmicas, peças em osso, peças metálicas das casas, usadas na tecelagem ou na agricultura, restos alimentares e os restos osteológicos humanos das necrópoles, que têm de ser estudados pelas várias especialidades e também tratados”, referem ao JA.
Linha de investigação inovadora
Esta última campanha foi inovadora, uma vez que foi explorado o potencial de DNA lixiviado em solos com o objetivo de “detetar a presença de enterramentos em sítios arqueológicos em Portugal”, além da recolha de amostras de solos para análise e estudo na Simon Fraser University, localizada no Canadá.
“As descobertas deste estudo podem contribuir com informações valiosas sobre a natureza da preservação do DNA em solos e sugerir uma técnica minimamente invasiva para a identificação individual de restos humanos por cientistas forenses ou bioarqueólogos”, explicam Cristina Garcia e Maria João Valente.
Para as investigadoras este tipo de descobertas “aumenta o conhecimento que temos da história da região algarvia, mas mais importante, enriquece a nossa visão e interculturalidade com outras áreas geográficas como a vizinha Andaluzia, a navegação da bacia de Cádiz e do golfo ibero-marroquino”.
Ainda há muito por descobrir
Cacela Velha vai, certamente, continuar a ser alvo de escavações arqueológicas e de estudos. No futuro está prevista a continuação de trabalhos nesta área “com o entusiasmo dos alunos da Universidade do Algarve e também alunas da Simon Fraser University”, num projeto científico que está enquadrado noutro de restauro e valorização de Cacela, que tem como objetivo “preservar este importante legado do património histórico algarvio e transmitir conhecimento à população”.
“Vamos continuar a estudar Cacela. Há muito para fazer, mas há um impulso que não depende de nós, e que é o impulso político”, revelam.
Estas escavações encerraram o protocolo de cooperação entre a Universidade do Algarve, a Direção Regional de Cultura do Algarve e o município de Vila Real de Santo António, enquanto estão a ser elaborados os relatórios finais e prepara-se a publicação de alguns artigos científicos.
Interesse da população
Estas escavações e as suas descobertas têm causado interesse na população, que teve a oportunidade de participar num dia aberto em julho do ano passado.
Já em maio deste ano, Cristina Garcia apresentou os resultados desta escavação, no Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes, em Vila Real de Santo António, durante as VIII Jornadas de História do Baixo Guadiana.
No mesmo dia, os participantes tiveram a oportunidade de ver de perto todas as descobertas recentes, além das anteriores, com uma explicação detalhada.
Cemitério medieval descoberto em 2018
No ano de 2018 uma campanha arqueológica também coordenada por Cristina Garcia e Maria João Valente descobriu um cemitério da época medieval onde foram escavadas 66 sepultaras e registados 86 indivíduos identificados.
Durante a escavação foram exumados 10 esqueletos humanos, além de se ter colocado a descoberto o bairro almóada, dos séculos XII e XIII, tendo sido escavadas duas casas de pátio interior.
Foi ainda descoberta uma rua principal, que alegadamente atravessa o conjunto habitacional e que liga a zona portuária a uma das entradas do bairro, supostamente abandonado.
Os investigadores verificaram ainda a existência de vários níveis de lareiras, restos alimentares e lixeiras domésticas.
Estas escavações decorreram na zona do Poço Antigo, fora da zona amuralhada de Cacela Velha, localizada em Zona Especial de Proteção do Núcleo Histórico, classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1996.