“O Algarve perde por não haver regionalização”

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José Apolinário representou Portugal na Europa, foi presidente da Câmara de Faro, secretário de Estado das Pescas de António Guterres e deputado na Assembleia da República pelo PS, que o elegeu, em 2020, para presidir à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve. Em conversa exclusiva com o JA, falou sobre a importância da regionalização, da execução dos fundos europeus, dos desafios que a região enfrenta e sobre os projetos que a vão revolucionar nos próximos anos. O metrobus de superfície para ligar Olhão, Faro e Loulé, o Centro Oncológico, a ponte entre Alcoutim e Sanlúcar e a dessalinizadora são alguns dos projetos que vão nascer com fundos da Europa

Com a transferência de competências de serviços do Estado para as CCDR, até março de 2024, José Apolinário será a figura de maior proeminência na região, a mais alta figura do Algarve, uma espécie de “presidente regional”. O socialista encara o processo, anunciado em novembro de 2022 pela ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, como “um passo decisivo em direção à regionalização”, ainda que esta possa ser uma realidade distante no horizonte das políticas de coesão territorial.

JORNAL do ALGARVE (JA) – Existe consenso político na região sobre a regionalização?
José Apolinário
Historicamente, todos os intervenientes defendem a regionalização. O Algarve é uma região que tem todas as condições para ser região piloto, quer em termos de regionalização administrativa, quer em termos de aglutinação, coordenação e integração de serviços concentrados. No seguimento de uma recomendação da Associação Nacional de Municípios Portugueses, os partidos que têm estado na liderança do Governo – PS e PSD – assumiram com a Associação um caminho de descentralização de competências para as autarquias e, em simultâneo, prepararam um caminho que levasse a um referendo à regionalização. A transferência de serviços para as CCDR é consensual entre PS e PSD. O que pode existir são divergências sobre como operacionalizar essa reorganização.

Recorde-se que o primeiro-ministro, António Costa, prometeu avançar com um referendo sobre a regionalização em 2024, fazendo este parte do programa do Governo para a atual legislatura. Contudo, a revisão constitucional, proposta pelo PS e pelo PSD, não prevê alterações ao artigo que fala em regionalização, antevendo-se assim que o avanço da reforma poderá ficar pelo caminho, pois as alterações às regiões administrativas dependem, obrigatoriamente, da realização de um referendo — que exige não apenas um “sim” nacional, mas também região a região.

JA – O que vai mudar com a passagem das competências de serviços do Estado para as CCDR?
José Apolinário
A reorganização administrativa dos serviços do Estado nas regiões vai refletir-se numa maior proximidade aos cidadãos às comissões de coordenação, pois as CCDR passam a ter atribuições na área da saúde, educação, agricultura, cultura, conservação da natureza e ordenamento do território. Com mais competências e autonomia, este processo será sinónimo de mais eficiência por parte do Estado, mais políticas de proximidade e um acesso aos serviços, por parte dos cidadãos, mais homogéneo e concentrado.

Com o chegada do quadro de financiamento Portugal 2020 – vigente até ao final deste ano -, a que se soma o dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e, no próximo ano, o novo programa de financiamento Portugal 2030, pode dizer-se que parece nunca ter existido tanto dinheiro disponível na região.
Apesar disto, são cada vez mais as dificuldades que afetam o quotidiano dos algarvios, que se digladiam mais do que nunca para ter um teto, pagar as contas ou os medicamentos, já para não falar da incapacidade de respostas nos serviços públicos da região, como é o caso da saturação do Serviço Nacional de Saúde.

JA – Os fundos estão a ser aplicados nos setores da região onde mais falta fazem?
José Apolinário
Os fundos europeus têm um princípio de adicionalidade e um efeito de âncora, isto é, não são para substituir orçamentos nacionais nem orçamentos municipais. Esta nova fase em que Portugal tem à sua disposição um tão elevado volume de fundos é um grande desafio porque responde a muitas das que são as nossas necessidades e àquilo que é a perspetiva de futuro dos nossos concidadãos, em particular os mais jovens.
JA – Quanto dinheiro vamos ter para gerir até 2030?
José Apolinário
No próximo quadro financeiro – Portugal 2030 – o Algarve terá 780 milhões de euros para gerir. Desse montante, mais de 40% dos fundos estarão alinhados com o objetivo da sustentabilidade, da transição climática e da mobilidade. O projeto da implementação do metrobus de superfície, que irá reforçar as ligações Olhão-Faro-Aeroporto-Universidade-Loulé, é um dos exemplos de um dos investimentos que revolucionará a mobilidade na região. Aos 780 milhões de euros vão somar-se 200 milhões, previstos no Plano de Eficiência Hídrica – financiado pelo PRR – com vista ao reforço da resiliência em matéria dos recursos hídricos. Esses 200 milhões de euros vão permitir ao Algarve ter uma dessalinizadora, tecnologia para a redução de perdas de água e fazer uma melhor gestão da água.
JA – Quais são as áreas prioritárias para aplicação dos fundos europeus?
José Apolinário
– Vai ser um enorme desafio. Teremos de executar 980 milhões até 2029 e por isso temos de olhar para os fundos e perguntar para que servem e quais são os objetivos… E esses são claros. A sustentabilidade, as qualificações, a inovação, e as políticas de proximidade na saúde são as nossas prioridades. Na área da saúde, recordo a verba que financiará a construção do Centro Oncológico do Algarve.
JA – E a habitação? O que está previsto?
José Apolinário
Os financiamentos nessa matéria são elegíveis no âmbito das estratégias locais, através do PRR. Vamos ser a primeira região do país a ter todos os municípios com estratégias locais de habitação aprovadas e homologadas pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. Isso traduz bem o compromisso dos municípios da região com o tema da habitação.

No final do ano transato, a CCDR comunicou que a taxa de execução dos fundos do Portugal 2020 estava nos 73%. Olhando para o panorama nacional, as regiões de Lisboa e Vale do Tejo e a Madeira foram as únicas com uma execução de 100%. Abaixo da meta ficaram o Norte (88% da meta anual cumprida), o Centro (92%), Alentejo (80%), Algarve (73%) e Açores (63%).

JA – Corremos o risco de perder fundos?
José Apolinário
A região, no seu todo, perde por não haver regionalização. O grande desafio que temos chama-se coesão territorial. Os municípios de menor dimensão têm menos estrutura técnica e menos capacidade financeira para apresentar projetos. Mas o ponto que se coloca na CCDR é se queremos corrigir assimetrias na região… E nós queremos. Queremos dar mais oportunidades aos municípios que têm menos estrutura técnica e menos disponibilidade financeira para poderem utilizar os fundos.

JA – O que se pode fazer para acelerar a taxa de execução dos fundos europeus na região?
José Apolinário
No fim, a avaliação que nos vão fazer sobre a utilização dos fundos tem a ver com a coesão territorial. O regulamento europeu diz que os fundos são para corrigir desigualdades territoriais e de coesão. O tema da baixa execução está ligado à necessidade maior de foco sobre a coesão territorial e ao facto de termos um tecido empresarial com uma grande pujança na área no turismo, mas não termos outras atividades económicas que sejam concorrentes à execução de fundos. Menos diversificação económica significa também que temos menos empresas a apresentar projetos.

JA – Como vamos atrair mais empresas e diversificar a economia regional?
José Apolinário
Valorizando e reforçando a competitividade das áreas de acolhimento empresarial e apostando em novas áreas como o digital, recursos endógenos e a agroindústria. A diversificação económica só é possível com novas empresas, novos atores, mas far-se-á a partir do que temos. Temos de alavancar outras atividades a partir do turismo e tirar partido das potencialidades dos nossos recursos endógenos.

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Em novembro de 2022, o JORNAL do ALGARVE noticiou que, segundo proposta do Orçamento do Estado, o Algarve seria a região portuguesa que menos dinheiro vai receber em 2023. Ao que o JA apurou, a região algarvia vai receber um total de 95.625.941 euros, enquanto todos os outros distritos de Portugal Continental vão receber uma transferência superior a 100 milhões de euros, de um total geral continental de 2.920.831.668. Por outras palavras, isto significa que o Algarve é a região que menos dinheiro recebe, quando é das que mais contribui.

JA – A riqueza do Algarve é fictícia?
José Apolinário
Dizer que somos os que menos recebemos é um discurso populista, bacoco e provinciano que é utilizado por vezes por alguns agentes públicos por pura demagogia. Porque com rigor, sabemos que somos uma região de transição e os fundos europeus são para garantir coesão e para combater assimetrias.

JA – Quais são as maiores necessidades da região?
José Apolinário
O Algarve precisa de mais e melhores qualificações, mais jovens que frequentem o ensino superior na região, mais respostas na área da mobilidade, mais políticas de proximidade na área da saúde e mais respostas na área da habitação. Mas há que dizer que as estratégias locais de habitação são um bom sinal.

JA – Como está a decorrer a aplicação de fundos na área da Saúde?
José Apolinário
Enquanto presidente da CCDR estou apreensivo no que toca à área dos cuidados de saúde primários e das estruturas de saúde. A Administração Regional de Saúde tem a incumbência de garantir a execução de 35 milhões de euros do PRR em cuidados de saúde e esses procedimentos têm tido vários constrangimentos na sua implementação. É um financiamento a 100%, absolutamente essencial e que vai melhorar a rede de cuidados de saúde primários.

Relativamente ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), Apolinário não aceitou pronunciar-se sobre “aspetos de gestão”. Contudo, do atual quadro financeiro em vigor – Portugal 2020 – destaca os esforços feitos pela CCDR no sentido de reforçar o financiamento para melhorar e investir em equipamento médico e o “trabalho empenhado” que a administração do CHUA tem feito. Sobre a construção do novo Hospital Central do Algarve, tal como o ministro da Saúde, adota uma postura em que não se compromete com datas.

JA – Fala-se muito da falta de força política do Algarve. Continua a achar que o PS/Algarve deveria ser “mais interventivo”?
José Apolinário
Não vou fazer comentário político. Esse é um tema recorrente que oiço há 50 anos. Quando o Governo é liderado pelo PS, o PSD diz que há falta de força política e vice-versa. Faz parte da troca de galhardetes na região.

Convidado a tecer um comentário sobre os tempos de convulsão social e política que se vivem, o presidente da CCDR recusou-se a comentar, contudo, certifica que, através do Fundo Social Europeu, tem procurado “apoiar e alocar verbas a projetos das instituições sociais dirigidas à reposta às pessoas com maiores carências sociais”, destacando o projeto MAPS.

JA – Para quando a requalificação do troço da EN 125 entre Olhão e VRSA?
José Apolinário
Apesar de não ser um tema da competência da CCDR, tenho acompanhado as justas reivindicações dos autarcas no sentido de haver uma decisão do Tribunal Arbitral. Em Sagres, na travessia de Olhão, na zona do Sotavento, o facto de não haver uma solução à vista está a prejudicar a região.

JA – É defensor da alta velocidade espanhola até Faro. Em que ponto de situação estão as negociações entre os governos ibéricos?
José Apolinário
No dia 22 de fevereiro está prevista uma reunião do Conselho Regional da CCDR para a apresentação do Portugal 2030. Nesse dia estará em debate a proposta do Plano Ferroviário Nacional, onde irei defender que se construa uma nova linha para fazer a ligação Lisboa-Évora-Beja-Faro-Huelva-Sevilha porque acho que é a linha que serve o Algarve e o futuro dos meus netos.

Sobre a construção da ponte internacional entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana, a CCDR garante que se estão a cumprir prazos, e que até ao final do mês de maio deste ano esperam ter o projeto de execução para passar à fase seguinte.

JA – Existe algum plano para voltar a tornar atrativo o setor da hotelaria e turismo?
José Apolinário
Vamos ter que qualificar mais os recursos humanos, entre os quais imigrantes, porque já estamos a viver e vamos ter que viver com o inverno demográfico. Não temos recursos humanos suficientes para fazer frente às necessidades. Vamos ter que melhorar a competitividade em termos de eficiência energética e hídrica. A transição energética também vai ajudar a reforçar a nossa imagem de destino de excelência e sustentável. Depois temos que diminuir a sazonalidade e alinhar as empresas com práticas sustentáveis no âmbito da economia circular.

Daqui a 10 anos, José Apolinário vislumbra uma região com mais qualificações, com a UAlg a reforçar o seu papel na região através do novo campus em Portimão, com mais investimento em inovação e ciência e com o turismo como principal atividade económica, mas “mais alinhado com a sustentabilidade e a transição climática”. Sobre a indústria das pescas no Algarve, o presidente da CCDR não se mostrou disponível para aprofundar o tema.
Para além disso, acredita que, no futuro, o Algarve será uma região onde haverá uma “valorização pujante” de outras atividades como a agroindústria, os recursos geológicos, as algas, a aquicultura, a energia das ondas e das correntes. Dentro de uma década, o socialista acredita numa região com maior mobilidade e com um novo hospital
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