“O Algarve precisa de mais investimento público”

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Após cinco anos como presidente e outros cinco como vice, João Fernandes despede-se da Região de Turismo do Algarve (RTA) no próximo mês de julho. Ao JA, o responsável, de 49 anos, fez um balanço do último mandato, no qual destaca a capacidade de união e resiliência do organismo. O 365 Algarve, a candidatura portuguesa da Dieta Mediterrânica a Património Imaterial da UNESCO, o programa empreendeTUR, a migração com ética para atender à escassez de mão de obra, as estratégias ambientais e a construção do programa Formação-Algarve fazem parte do seu legado. Dentro de 10 anos espera que a sustentabilidade seja já parte do ADN do turismo

JORNAL do ALGARVE (JA) – Que balanço faz do mandato que agora chega ao fim?
João Fernandes (JF)
– Estou ligado à RTA há quase 15 anos. Enquanto diretor das Escolas de Hotelaria e Turismo, numa primeira fase, era também membro da Assembleia da RTA. Depois assumi as funções de vice-presidente e agora, nos últimos anos, como presidente. Fazendo o balanço dos últimos cinco anos, e se recuarmos a 2018, não é difícil perceber que foi um mandato em que tentamos conjugar a resposta a crises não perdendo o rumo daquilo que eram os desígnios de um crescimento mais sustentável. De facto, olhando para trás, talvez tenha sido o balanço mais positivo de tudo.

JA – A que crises se refere?
JF
– Passados poucos dias após ter tomado posse, Monchique estava a arder… Os tabloides britânicos retratavam a região como ‘Um Algarve em chamas’ e as autoridades desaconselhavam viagens para cá. Conseguimos reverter essa mensagem, conseguimos realojar todos os turistas sem qualquer mazela e com o testemunho deles a dizerem que tinha sido uma operação bem conseguida. Ainda o incêndio estava em fase de rescaldo e nós já tínhamos conseguimos criar um projeto de reabilitação de todo o espectro do Turismo de Natureza em Monchique, de que ainda hoje beneficiamos; Também faliu o maior e mais antigo operador turístico internacional – a Thomas Cook -, numa terça-feira, e num sábado estávamos no auditório da RTA perante empresários a apresentar uma linha de tesouraria para apoiar os operadores turísticos; Faliam também três companhias aéreas que representavam 10% dos passageiros desembarcados em Faro e nós no ano a seguir conseguimos repor toda a capacidade aérea; Os motoristas de matérias perigosas fizeram greve no pico da Páscoa e do verão e nós fomos a única entidade regional que participou na discussão dos serviços mínimos; Aconteceu uma pandemia e nós mobilizámos 40 colegas dos postos de turismo que ficaram sem a possibilidade de exercer a sua função de atendimento a turistas e conseguimos com eles fazer 60 mil contactos com microempresários para explicar as linhas de financiamento que poderiam beneficiar; Fizemos nessa altura também jurisprudência sobre a interpretação das regras que eram impostas a cada Conselho de Ministros. Porquê? Pela proximidade que tínhamos com as entidades. O mesmo aconteceu para as empresas de transporte de passageiros em relação ao encerramento da fronteira; No Brexit fomos a primeira entidade a propor medidas muito concretas… Organizámos reuniões com residentes ingleses que estão no território e discutimos sobre medidas para proteger as pessoas – como evitar a dupla tributação de impostos, garantir a assistência médica, etc; Mais recentemente, com a crise da seca fomos a primeira região, com um contributo muito forte do Turismo e dos campos de golfe, a apresentar medidas para um Plano de Eficiência Hídrica. O Algarve é hoje a primeira região que tem um Plano de Eficiência Hídrica. Fomos pioneiros perante crises, pioneiros na resposta, mas sem perder de vista aquilo que era fundamental.

JA – Diria que foi um mandato de resiliência?
JF
– Sim, mas aproveitamos também o facto de as crises serem oportunidades de união. Claro que podem provocar ruturas, mas também podem causar união. Tentamos aproveitar a proximidade com os nossos stakeholders – empresas e entidades públicas com quem nos relacionamos desde a Agricultura ao Ambiente, passando pela Cultura – e estabelecer pontos de ligação a nível nacional e internacional. Essa rede foi o fator fundamental para que não respondêssemos só a crises, mas desenvolvêssemos um modelo que nos permitisse responder melhor às crises… Dizia-se que o Turismo no Algarve era um monoproduto e que a região dependia apenas do ‘sol e mar’, mas nós diversificamos em concreto. Gerámos, em conjunto com muitos outros agentes, privados e públicos, vários produtos e motivações para visitar a região. Quando desenvolvemos turismo de Natureza, o Turismo Desportivo, para além do golfe que já estava a contrariar a sazonalidade, quando criámos o 365 Algarve, que ainda hoje tem marcas como o Festival do Contrabando, em Alcoutim…
Mesmo saídos de uma crise, nós desde outubro do ano passado que estamos a bater recordes de desembarque de passageiros na região. Quando olhamos para o período pré-pandémico, 70% do nosso crescimento em dormidas em hotelaria aconteceu fora do pico da procura – o verão. Não perdemos nos nossos principais mercados, mas nos outros crescemos 73%. Nos restantes mercados, para além dos cinco principais, nós crescemos dois milhões e 300 mil dormidas, muitas delas fora da época alta.
Nos mercados principais crescemos dois milhões de dormidas. Crescemos mais fora da época alta e noutros mercados, mas também no interior… Em conversa com a presidente da Câmara de Silves (Rosa Palma), dizia-me ela que agora já não sente sazonalidade…

JA – A sazonalidade é algo que está prestes a terminar na região?
JF
– Haverá sempre sazonalidade pelas características do próprio destino e pela disponibilidade das famílias em viajar no período das pausas letivas dos filhos, mas hoje há economia todo o ano. Trabalhamos com todos os setores… Com a Saúde, desenvolvemos projetos no âmbito do envelhecimento ativo… Estamos dedicados à ‘economia grisalha’ e isso também tem contribuído para atenuar a sazonalidade. Depois estamos a desenvolver o Agroturismo e o Enoturismo que também está na nossa linha de apostas… Também somos a alavanca para outros setores. Não queremos ser encarados como um eucalipto. Podemos ser, sim, o motor para outras atividades, como somos. Nós trazemos consumidores para a região que depois bebem o nosso vinho, comem o nosso peixe, gastam noutras áreas de negócio… Esse é um património do qual tenho muito orgulho e porque se acentuou nestes últimos cinco anos: o casamento de uma tendência de procura com o facto de a própria oferta se preparar para poder oferecer um destino mais autêntico e mais sustentável. Depois, cada vez mais durante o inverno, os portugueses acorrem ao Algarve.

JA – Como foi possível tudo isto, tendo em conta a realidade de subfinanciamento da RTA?
JF
– Com muito esforço de todos. Há um ditado que diz que faz mais quem quer do quem pode. Nós quisemos muito e estabelecemos pontos com todos os parceiros porque o Turismo bebe de oportunidades, mas também porque não tínhamos, dentro de portas, muitas vezes, os recursos para abraçar desafios de forma unilateral. Há uma altura em que é preciso reforçar o financiamento. Tenho referido isso em todos os fóruns em que participo… Posso dizer que acabámos de conseguir, numa das frentes em que somos deficitários – o reforço da dotação para a promoção internacional -, um reforço significativo para os próximos anos ou já no próximo ano, incluindo este inverno, permitir à região ter uma folga um bocadinho maior na promoção intencional. Mas não chega…

JA – Que tipo de presidente espera que André Gomes venha a ser?
JF
– O André Gomes veio reforçar a importância e a luta pelo financiamento. Enquanto colaborador da RTA conhece a matéria, que já não é nova. É um cavalo de batalha que abraçámos há algum tempo e que ele faz muito bem em considerar essa bandeira como sua. Espero do André, uma pessoa que trabalha no Turismo já há alguns anos, que aproveite o que há de bom e que faça ainda melhor. Isso é o que eu espero dele e da organização. Desejo-lhe tudo de bom! Com aquela grande equipa que tem ao seu dispor, embora com poucos meios, que aproveite também o facto de sendo uma pessoa nova vai trazer ideias novas e igualmente válidas. Espero que tenham sucesso. Tenho um amor incondicional à RTA, à Associação Turismo do Algarve, ao Turismo do Algarve como um todo.

JA – Em termos de números e receitas, acredita que 2023 será melhor que 2022?
JF
– O Turismo está numa tendência muito positiva. Vai ser de certeza, também porque crescemos muito mais em valor do que em volume e isso é muito importante. As pessoas estão a deixar mais riqueza na região e isso contribui também para o bem-estar do residente. Atrair uma procura que valorize mais a questão da sustentabilidade também é fundamental…

JA – Para que tipo de turista tem estado a comunicar a RTA?
JF
– O turista mudou, mas nós do lado da oferta também fomos ganhando mais consciência. Os turistas foram evoluindo em relação ao conhecimento e à necessidade de aplicar esse conhecimento durante os períodos de lazer. Há 20 anos os nórdicos que praticavam golfe no Algarve já tinham uma consciência ambiental e uma sensibilidade para com o tema… Ao diversificarmos o leque de mercados de procura, verificamos que há mercados que não estão tão maduros nas questões da sustentabilidade, ou não estavam há 10 anos e hoje estão porque já não há ninguém à face da Terra que não esteja sensibilizado para a necessidade de respeitar e valorizar o ambiente e a cultura dos espaços. Isso ajuda a quem está na região a poder oferecer e assim dinamizar aquele que é o seu património e os seus valores.

JA – Qual é a imagem que o Algarve tem ‘lá fora’, atualmente?
JF
– Se continuamos a ser candidatos à distinção na qual somos recordistas – o World Travel Awards – para o Melhor Destino de Praia da Europa, agora também somos candidatos a Destino Mais Sustentável. Quando falamos da necessidade de promover novas motivações associadas ao Turismo de Natureza e quando falamos em eficiência hídrica, dos resíduos, eficiência energética, da circularidade da economia, na sustentabilidade em geral, quando criámos um Observatório de Turismo Sustentável, já reconhecido pela Organização Mundial do Turismo, em 2020, essas apostas começam agora a dar os seus passos em termos de imagem externa.

JA – Para ter uma imagem sólida ‘lá fora’ é preciso financiamento, mas também pessoas. A falta de mão de obra é um problema que se vai prolongar por quanto tempo?
JF
– O problema não é novo. Se recuarmos a 2018 ou a 2019 havia escassez de mão de obra nos picos da procura. Como alargamos o nível de procura, sobretudo nas épocas intermédias, começou-se a fazer notar mais cedo durante o período mais longo, o que é bom porque depois as propostas de emprego que se oferecem às pessoas são menos precárias e mais estáveis ao longo do ano. Esse problema tem a ver com alguns fenómenos conjugados: o primeiro a demografia. Temos uma pirâmide etária invertida, como quase todos os países desenvolvidos. A solução passa necessariamente pela imigração. O problema é agravado também com o facto de a própria juventude ter uma qualificação muito mais elevada do que antes. Quem tem um determinado nível de qualificação ambiciona outro tipo de trabalho e outras funções… Isso é legítimo e desejável. Antes íamos buscar pessoas para trabalhar em outras regiões, que felizmente cresceram também elas do ponto de vista turístico.

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JA – Mas algumas pessoas olham com desconfiança para a imigração como solução…

JF – Isso não tem nada de mal. Tem até de bom porque precisamos de equilibrar a nossa demografia. Fomos pioneiros, mais uma vez, a nível nacional com um projeto em parceria com a Organização Internacional das Migrações, uma agência das Nações Unidas. Tratou-se de um projeto com os países com os quais Portugal fez um acordo bilateral – os países africanos de Língua Portuguesa, Brasil, Índia e Marrocos – para definir um modelo que pudesse servir de contributo para o Governo, e já foram entregues vários relatórios nesse sentido, para uma migração com ética. Ou seja, sim, queremos trazer pessoas para trabalhar, mas não as queremos tratar de forma indigna. Abraçámos um desafio, participámos em relatórios que foram entregues ao Governo com sugestões de melhoria da própria eficácia na atribuição de vistos, mas também nos cuidados a ter para que essa imigração fosse feita com todos os requisitos éticos. Com Cabo Verde reunimos com o embaixador português lá, com o Instituto de Emprego, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros para criar redes no local que é emissor de emigrantes. Do lado de cá, da receção, assegurámos tudo para que essa migração tivesse todas as salvaguardas, evitando cair na malha de redes ilegais… Precisamos deles, dos imigrantes. Venham, são muito bem-vindos.

JA – As entidades regionais de turismo rumam todas para o mesmo lado?
JF
– Nos últimos anos fizemos até uma atualização dessa revelação interregional. Havia uma associação nacional de turismo que juntava as entidades regionais, as agências e mais algumas associações. Essa associação acabou e os presidentes das entidades regionais juntaram-se e decidiram que em vez de criar uma nova associação e eleger um novo presidente, deveríamos fazer uma espécie de empreendimento conjunto para discutir as matérias e produzir soluções. E fizemo-lo para diversas situações. Hoje, para além de bons colegas, tenho bons amigos nos restantes presidentes das entidades regionais. É muito fácil perceber a sinergia que existe entre nós. Em vez de olharmos para uma possível competição, fazemos disso uma forma conjunta. No caso do Algarve não há sequer uma região portuguesa que seja concorrente.

JA – Qual foi o momento mais marcante do mandato?
JF
– O mais marcante foi, claramente, o início da pandemia e as restrições. E igualmente marcante foi o fim dela. Depois diria que, com muito orgulho, a conclusão do Plano de Eficiência Hídrica, com financiamento para a região de 200 milhões de euros não reembolsáveis. O facto de termos sido uma das primeiras regiões do mundo a produzir um manual subsetorial, um manual de procedimentos de higiene e segurança para o Covid-19 que ia desde os parques de campismo, ao golfe, hotéis, marinas, praias, etc, também foi muito importante. A base da legislação nacional que vigorou durante a época balnear nas praias foi apresentada por nós… Interessante é ver que, por essa razão, por nos termos destacado no combate ao Covid com propostas de referência também na praia, a primeira vez que ganhámos como Melhor Destino de Praia foi exatamente nesse ano, em 2020. Numa situação crítica fomos capazes de fazer melhor que a concorrência, que é feroz e muito boa também.

JA- O que considera mais injusto na região?
JF
– Muitas vezes olha-se para o turismo no Algarve como um fator de subdesenvolvimento, ideia que é fruto de muita desinformação. O Turismo é um dos maiores setores mundiais. Tirando a pandemia, há 10 anos que cresce acima do PIB mundial. Somos o 12.º país mais competitivo do mundo… É um erro crasso. Se olharmos para todos os países que são mais competitivos do que nós em termos turísticos, está lá o G7 todo… Muitas vezes a região é desvalorizada por essa primeira imagem. Quando se fala de investimentos públicos, raramente se olha para o Algarve com a mesma disponibilidade para investir do que se olha para regiões com um maior número de eleitores…. Olha-se para o Algarve como um destino para onde se vai passar férias e onde está tudo bem. É preciso olhar para a região como uma região que precisa de investimento público. Aí o Algarve talvez tenha sido preterido em relação a outras regiões… Quando falamos da necessidade de se investir num porto de cruzeiros… Em quase todas as regiões portuguesas houve investimento avultado em portos e nós que estamos no ponto ideal…

JA – Qual vai ser a sua última decisão?
JF
– Tentar agradecer a todos aqueles que contribuíram para um mandato tão desafiante. É o objetivo que tenho ao fechar a porta: dizer ‘muito obrigado’.

JA – Deixou alguma recomendação ao novo presidente?
JF
– Eu e o André Gomes temos vindo a falar… Ele próprio já disse que quer assegurar a continuidade do trabalho. A equipa vai manter-se a mesma e portanto não há razão para não ter segurança, tendo ele a vontade de continuidade com uma equipa que trabalhou no que foi feito até aqui. Acho que isso é garantido. Agora, sendo uma pessoa nova, espero que ele também tenha os seus projetos e eu estarei do outro lado a aplaudir e a apoiar no que for necessário.

JA – Como espera ver a marca ‘Algarve’ daqui a 10 anos?
JF
– Espero que as questões da sustentabilidade e da transição digital já sejam um dado adquirido. Estou certo que vamos consegui-lo.

JA – Há hipótese de algum dia voltar ao cargo?
JF
– Não vou fechar portas, mas não é expectável.

JA – O que vai fazer a seguir?
JF
– Algo que não faço há 18 anos: tirar duas semanas de férias. Isso vou ter mesmo que fazer. É até algo que não sei muito bem o que é… Mas finalmente vou ter essa oportunidade, em julho, espero. Depois vou continuar a trabalhar, quem sabe no setor do turismo.

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