Pela lente de João Porfírio

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“De forma bastante amadora”, fazia a cobertura de eventos em Portimão, a sua terra natal, até que, com a sua “lata e descaramento”, envia e-mails a todos os jornais regionais a oferecer os seus trabalhos. O único a responder foi o JORNAL do ALGARVE, que abriu caminho para o seu futuro profissional, agora no Observador, tendo já fotografado a guerra da Ucrânia, as eleições dos EUA ou o funeral da rainha Isabel II

Com a sua máquina “muito pequenina”, João Porfírio começa por fotografar um festival de motonáutica em Portimão, pedindo ajuda a jornalistas locais e regionais. Já com a sua máquina profissional, decide dar um passo em frente e oferecer os seus trabalhos aos jornais regionais. O JA foi o único que, em 2010, aceitou.

Era na companhia do jornalista Nuno Couto, e com autorização do diretor Fernando Reis, que João Porfírio deu os primeiros passos no fotojornalismo, “numa pequena redação que existia” em Portimão.

Foi no Jornal do Algarve de 11 de março de 2010 que foi publicada a sua primeira fotografia

“Ele disse-me ‘és jovem. Porque não? Queremos o JA cada vez mais virado para os jovens’, conta o antigo colaborador do JA, aos 28 anos.

Todos os dias, quando terminavam as suas aulas, era Nuno Couto quem o ia buscar à porta da escola: “os meus colegas gozavam muito comigo, porque quem me ia buscar à escola não era a minha mãe, mas sim o Nuno Couto, para depois nós irmos fazer as reportagens”, conta.

“Se hoje estou onde estou, foi muito graças ao Nuno Couto e ao JA, porque foi onde comecei e já fiquei com um portefólio bastante robusto e recheado para a minha idade e experiência”, acrescenta.

A sua primeira fotografia publicada na Imprensa foi no JA, que retratava o Campeonato Mundial de Ginástica Rítmica, mas há uma outra imagem que é muito especial para João Porfírio.

“Eu e o Nuno Couto fizemos a cobertura da vinda do Presidente da República, na altura Cavaco Silva, a Portimão. Foi a minha primeira fotografia que eu achei que tinha mais importância e de que eu gosto muito. Trata-se de uma foto de Cavaco Silva a cumprimentar uma criança, que tem os olhos vidrados dele”, explica.

Estas “aventuras” com o JA fizeram nascer um “bichinho” dentro de João Porfírio, que deixou as sessões fotográficas com as amigas e de festas da escola de lado.

“Rapidamente percebi que não era nada daquilo que eu queria. Eu queria era mesmo aquilo que fazia para o JA”, refere.

Então, para juntar a fotografia com o jornalismo, escolhe a área de Línguas e Humanidades no seu ensino secundário “já a pensar na vertente jornalística”, antes de, com apenas 18 anos, ir viver para Lisboa e estudar fotografia na ETIC.

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Entrar no mercado em Lisboa

“Sempre tive muita sede e vontade de me despachar para entrar rápido na profissão. Ao mesmo tempo que estudava, estava a trabalhar numa loja e a meio do curso, propus um estágio na Agência Lusa”, conta.

É este passo que João Porfírio considera que seja a sua “profissionalização na área e sobretudo em Lisboa, que é um mercado muito fechado, apertado e difícil de entrar”.

Este estágio, que decorreu durante os meses de agosto, setembro e outubro, “propositadamente para apanhar as campanhas eleitorais” de 2015, “ fez com que todos os jornais vissem e publicassem as suas fotografias, o que lhe deu “bastante visibilidade a nível de Lisboa e de Portugal”.

Marcelo Rebelo de Sousa a confortar idoso afetado pelos incêndios

O jovem considera que houve dois momentos protagonizados pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que o ajudaram “para que as pessoas olhassem para mim não como um miúdo que estava num estágio mas como uma pessoa que se manda para os sítios”.

No entanto, no final de agosto acontece a grande crise de refugiados em vários países da Europa e João Porfírio pede ao seu editor para ir cobrir.

“Obviamente nunca iriam mandar um estagiário com dois meses de casa para lá. O que eu fiz foi suspender o estágio durante duas semanas e fui à mesma”, conta.

Como trabalhava numa loja, estudava e ainda estagiava ao mesmo tempo, pediu alguns dias de férias à sua patroa e partiu sozinho com 250 euros no bolso.

Refugiado sírio com apenas dois anos, em 2015.

“Os meus colegas da Agência Lusa estavam boquiabertos de como é que um miúdo de 20 anos vai cobrir a crise de refugiados sozinho. O que é certo é que eu comecei a disparar, um bocadinho como fiz na altura no Algarve, para todos os jornais nacionais e internacionais, e a revista Sábado comprou-me o trabalho todo. Foi publicado nessa revista durante três ou quatro semanas consecutivas e isso foi também uma grande rampa de lançamento. Isto é um mundo muito pequenino e isso fez com que as pessoas olhassem para mim já com algum respeito, apesar de eu ainda ser muito novo”, explica.

O seu estágio na Lusa fez com que ganhasse “alguma confiança” dentro daquela instituição e noutros jornais, uma vez que cobria várias manifestações em Lisboa, como era o caso do escândalo dos lesados do BES.

Estar no sítio certo na hora certa

“Houve uma manifestação em especial em que muitos polícias foram agredidos e era onde eu estava. As únicas fotografias que existem desse momento são minhas”, conta.

Mas houve outra manifestação que marcou João Porfírio. Quando os taxistas estavam a manifestar-se em Lisboa contra a Uber, estava em Entrecampos e vê-os a atirar ovos aos taxistas que não estavam a fazer greve. Ao mesmo tempo “começam todos a agredirem-se numa autêntica batalha campal com polícia envolvida”, enquanto João Porfírio congela o momento com a sua máquina.

Uma das fotografias de João Porfírio da confusão entre taxistas em Lisboa.

Pouco depois chega um jornalista da RTP, que começa a gravar o fim das agressões, e “os taxistas vêm-me a fotografar, pegam na minha máquina e exigem que eu pare de tirar fotografias, ao mesmo tempo que me atiram ao chão, e eu parti a cabeça”.

“As imagens que o meu editor e os meus colegas vêm em direto na televisão sou eu no chão cheio de sangue e depois com a ligadura na cabeça dentro da ambulância. O meu editor liga-me e pergunta-me se tenho as fotos, que enviei depois de editar, às 12:55. Já às 13:00, todos os canais estavam a abrir o telejornal com as minhas fotografias”, conta.

Quando terminou o estágio, foi convidado para trabalhar no jornal I e no semanário Sol durante três anos, entrando em 2017 para o Observador, onde é atualmente editor de fotografia.

Sorte, instinto e lata

Para João Porfírio, para conseguir uma boa fotografia é necessária sorte, instinto e lata.

“Há várias situações que é pura sorte, como a situação dos taxistas. Depois há outras que é por instinto, como foi o caso de uma fotografia minha tirada durante o 10 de junho, de João Galamba atrás de Marcelo Rebelo de Sousa.

Marcelo Rebelo de Sousa e João Galamba nas cerimónias do 10 de junho deste ano.

Quando anunciam que ele vai, pensei que essa seria a história do dia, pois era a primeira vez em que o Presidente da República e o ministro estavam juntos em iniciativas públicas, depois de toda a polémica”, explica.

O jovem portimonense considera ainda que tem de saber bem aquilo que é notícia, tornando-se num jornalista com sentido crítico.

“Nós costumamos dizer que somos os nossos primeiros editores. Portanto eu sabia que aquilo era notícia. Acabei de fazer uma fotografia que os outros 20 e tal fotógrafos não fizeram, o que não quer dizer que eles não sejam bons, mas apenas eles não estavam para aí virados, como às vezes eu também não estou”, conta.

Sendo a política uma das suas paixões, acaba por juntá-la à arte fazendo “fotografias inusitadas” a que chama também “fotografia de bastidores”.

“Eu tenho um princípio na minha vida profissional que é: até me dizerem que eu tenho que sair, eu vou continuando a entrar. Até ter um segurança a dizer-me que não posso estar ali, eu vou. Isso tem-me trazido algumas vantagens, como por exemplo quando eu estou numa sala sozinho com o António Costa enquanto ele está ao telefone com o Presidente da República. Outra vez, quando apercebo-me onde estou, estou num carro com o António Costa a fotografá-lo. É uma coisa super íntima que ninguém vê. As pessoas estão fartas de fotografias de políticos em púlpitos com microfones à frente. Portanto, eu tenho que contar a história de outra maneira. É isso que eu procuro sempre”, explica.

Ir para sítios onde as pessoas estão a fugir

Quando olhamos para o seu portefólio, há muitas fotografias que se destacam, não só pela sua qualidade, mas também por retratarem momentos tristes.

“Sinto-me muito bem a fotografar e de ir para os sítios de onde as pessoas estão a fugir. Sinto que tenho uma carapaça suficientemente forte para lidar com certas coisas que às vezes me passam à frente dos olhos, que são muito difíceis de lidar e de encarar. Depois penso sempre na missão que tenho de contar às pessoas o que se passa, o quão horrível é. É um bocadinho neste sentido de missão quase jornalística”, salienta.

Durante três meses, João Porfírio esteve a retratar a guerra da Ucrânia, onde sentiu algo que nunca tinha sentido.
“Na Ucrânia há uma coisa que em reportagem nenhuma sentimos, que é a morte iminente. É o medo constante da morte. Uma vez ouvi um jornalista em Kiev a dizer que as bombas quando estão lá em cima prestes a cair não sabem se nós somos jornalistas, crianças ou mulheres”, conta.

Durante os meses em que esteve na Ucrânia, e algum tempo depois, João Porfírio foi acompanhado psicológicamente por uma equipa do Observador e considera que “foi muito importante porque o medo de morrer é constante”.

“O que os especialistas em saúde mental podem-nos fazer num cenário daqueles é pura e simplesmente saber lidar com a morte. Ou seja, não entrar em pânico cada vez que se ouve um bombardeamento, um tiro ou quando vemos um colega com quem almoçámos ontem a morrer à nossa frente”, explica.

Estar na ‘boca do lobo’

Houve três momentos em que João Porfírio esteve na ‘boca do lobo’, dentro do palácio presidencial de Kiev, perto do presidente Zelensky, durante as visitas de António Costa, Guterres e Von der Leyen.

Apesar de serem momentos muito propícios a ataques do inimigo russo, João Porfírio considera que “não há sítio mais seguro na Ucrânia do que o palácio de Kiev. As defesas antiaéreas daquele local são as mais avançadas do mundo, há um ritual gigantesco de segurança para nós conseguirmos entrar: é nos dada uma localização de um sítio específico em Kiev para irmos ter, um sítio aleatório”.

Depois são levados por um motorista, chegam à primeira porta e são revistados.

“Passamos por um detetor de metais onde temos de nos despir e vêm tudo ao pormenor em todas as nossas bolsas e mochilas, até as canetas são desmontadas para ver não tem nenhum tipo de explosivo ou artefacto que dispare contra o presidente. Temos de deixar os telemóveis ali fora desligados ou em modo voo. Não se pode levar nada digital para dentro, além da máquina, que é toda desmontada antes”, conta.

Esses momentos foram transmitidos em direto para o mundo, mas na realidade eram falsos diretos.

“São postos em direto nas televisões assim que nós saímos do palácio. O inimigo pensa que está a ver aquilo em direto, mas já aconteceu há duas horas”, destaca.

Foi neste país e durante esta guerra que João Porfírio tirou uma das suas fotografias preferidas. Trata-se de uma imagem de uma criança com a mão no vidro a chorar, enquanto se está a despedir do pai.

“É uma das minhas fotografias favoritas porque tem uma história pessoal por trás. Conheci a família, fiquei com o pai na plataforma enquanto a criança se ia embora. Foi ali um momento muito íntimo até para mim, no segundo dia de guerra, com os nervos à flor da pele”, conta.

A exposição em Portimão

A sua terra natal, Portimão, acolheu de braços abertos uma exposição sobre estes três meses de trabalho na Ucrânia.
“A Câmara de Portimão tinha a expectativa de 20 mil pessoas durante três meses e chegámos às 32 mil. Teve um feedback incrível por parte das pessoas. A exposição enchia todas as noites e as pessoas mandavam-me mensagens”, revela.

Quando vinha a Portimão, João Porfírio tinha um ritual: “Ia como visitante anónimo para ver a reação das pessoas e a ouvi-las, para tentar perceber o que é que estava certo e o que podia fazer melhor”.

Tendo como objetivo regressar à Ucrânia, o fotógrafo espera que a exposição vá até Lisboa e que seja complementada com novas fotografias.

No seu portefólio são muitos os locais e acontecimentos que tem fotografado pelo mundo inteiro.

João Porfírio esteve a cobrir a morte da rainha Isabel II no Reino Unido, esteve um mês e meio no Brasil durante as eleições presidenciais e admite que gostava de ter estado as buscas do submersível Titan.

“Eu sei que não ia lá fazer nada mas gostava de ter ido, tal como o sismo que aconteceu na Turquia. Há sempre coisas a acontecer e há sempre sítios onde quero estar. Mas eu também lido muito bem com o não”, conta.

Para breve está previsto ir cobrir as eleições espanholas, mas João Porfírio conta que geralmente é “o chato a dizer que quer ir”, apesar de “também acontecer ser o diretor a antecipar-se”.

“Tenho sempre o bichinho de estar onde as coisas acontecem”, refere.

A decadência da Imprensa regional

Para João Porfírio, o Algarve “tem um problema que todas as outras regiões e órgãos de comunicação social têm que é a falta de financiamento, a decadência brutal e total de compra de jornais em banca ou de investimento dos leitores em comprar jornais digitais, tal como já está a acontecer em jornais nacionais”.

“Os primeiros que sofrem mais é a Imprensa regional. Tenho muita pena que os primeiros a cair sejam provavelmente os jornais regionais. Para mim são importantes porque não são os jornais nacionais que falam sobre os problemas das pessoas daquela região. Quando acontece alguma coisa que mexa com a vida de pessoas de sítios mais pequenos, os jornais nacionais não aparecem. Quem está lá são os jornalistas regionais. Isso faz uma grande diferença”, conclui.

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