Presidente rejeita modo “furtivo” de criar impostos

ouvir notícia

.

O diploma da convergência de pensões cria um novo imposto, que “fere” os princípios constitucionais da proteção da confiança e da proporcionalidade e abre a possibilidade de criação de novos impostos de forma “furtiva”, segundo o pedido de fiscalização constitucional do apresentado pelo Presidente da República a que o Expresso teve acesso.

Para além disso, Cavaco Silva considera ainda que o texto carece de uma regulamentação de transição, o que impede os pensionistas e reformados de se adaptarem com tempo a um novo regime que lhes diminui de forma abrupta os rendimentos.
O diploma sobre a convergência de pensões pretende, tal como o nome indica, fazer convergir os regimes da Caixa Geral de Aposentações (sector público) e da Segurança Social. No seu pedido, o PR questiona as normas constantes das alíneas a), b), c) e d) do nº1 do art.7º do decreto da Assembleia da República nº187/XII.”É um imposto”

Segundo o texto apresentado pelo Presidente da República, “a redução coativa, unilateral e definitiva de pensões, feita através da fixação de um percentual sobre o respetivo valor ilíquido deve ser qualificada como um imposto”.

- Publicidade -

O Presidente alerta ainda para o facto de que tal legislação, uma vez em vigor, possa conduzir a criação de outros impostos.

“Mesmo que se entenda que esta medida é uma “figura tributária especial”, Cavaco adverte para que tal entendimento “poderia legitimar condutas furtivas do legislador dos quais possa resultar a criação de tributos sobre os rendimentos, em tudo idênticos aos impostos, mas desviados do enquadramento constitucional destes últimos e do princípio da legalidade fiscal”.

Cavaco é perentório ao considerar que o corte de 10% no valor global ilíquido nas pensões é um imposto “em eventual desconformidade” com a Constituição. Em particular, o PR destaca os princípios do caráter único, pessoal, da progressividade e da natureza universal do imposto sobre o rendimento.

Princípios feridos

No pedido que fez chegar ao Tribunal Constitucional no dia 23, Cavaco Silva considera também que o diploma afeta de maneira particular os princípios da confiança e da proporcionalidade, ao terem efeitos retroativos, por um lado, e não estabelecer um regime de transição, por outro. Assim, segundo o texto do pedido, “as normas (do diploma impugnado) ao determinarem com efeitos futuros essa redução (de 10%) afetam desfavoravelmente relações jurídicas, direitos e factos consolidados que foram constituídos no passado”. Assim, “normas que reduzam com efeitos futuros o valor de pensões em pagamento (…) afetam retrospetivamente as expectativas de continuidade, de fruição de um direito social já constituído”. O presidente adianta que os cidadãos que fizeram os seus descontos confiaram na lei vigente e os de menores rendimentos ficam “indefesos e à mercê da nova legislação sacrificial e expressivamente restritiva do seu direito à segurança social pois já não dispõem da oportunidade de organizar a sua vida de outra forma”. Para consolidar a sua argumentação, Cavaco Silva recorre à própria jurisprudência do TC a propósito da aplicação da contribuição especial de solidariedade no orçamento de Estado para 2013: “é legítima a confiança gerada na manutenção do exato montante da pensão, tal como fixado na ocasião da passagem à reforma”.

Sem transição

Cavaco Silva convoca ainda no seu texto a doutrina da necessidade de regulamentação da transição, “que elimine ou suavize a dureza da mudança do antigo para o novo direito”, a qual – no seu entender – não existe no diploma cuja fiscalização pede. O facto do texto legal, para além de cortar o valor da pensão, alterar a fórmula de cálculo (que pode levar a uma nova redução do valor da pensão em pagamento) é vista por Cavaco como um motivo adicional de preocupação face aos princípios da confiança e da proporcionalidade. Trata-se, como se diz, de “uma medida que tem como destinatários cidadãos cujo investimento de confiança na continuidade de um regime legal foi comprometido”.

Luísa Meireles e Cristina Figueiredo (Rede Expresso)

- Publicidade -
spot_imgspot_img

Deixe um comentário

+Notícias

Exclusivos

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.