“Se há dinheiro para a TAP tem de haver para a Educação”

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Cerca de 1500 professores, educadores, auxiliares e até alunos concentraram-se no dia 26 de janeiro, em frente ao Mercado Municipal de Faro, para reivindicar melhores condições laborais e "respeito" pela profissão que hoje dizem "desvalorizada". A adesão à greve por distritos, liderada pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof), rondou os 95% na região, adiantou Ana Simões, vice-presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul. "Não paramos" foi a frase mais ouvida durante uma manifestação sem precedentes na capital algarvia

“Carreira recomposta”, “aumento real de salários”, “horários legais”, “aposentação justa” e “respeito” foram algumas das reivindicações que ecoaram nas ruas que circundam o Mercado Municipal de Faro. Os docentes da região deixaram as salas de aulas e saíram à rua para participar no nono dia de greve, do conjunto de 18 com incidência distrital, convocada por nove estruturas sindicais.

Desde dezembro que os professores exigem melhores condições de trabalho e salariais, o fim da precariedade, a progressão mais rápida na carreira, e protestam contra propostas do Governo para a revisão do regime de recrutamento e colocação, que está a ser negociada com os sindicatos.

Em Faro, entre apitos e cartazes com mensagens dirigidas ao ministro, depois da manifestação ruidosa, professores e educadores deslocaram-se até à Direção Regional de Educação, num percurso de cerca de dois quilómetros. Pelo caminho, em uníssono, pediam “respeito” e gritavam “pelo futuro da profissão”.

“Nenhum jovem aguenta, precário até aos 50”, “Horários sobrecarregados, professores arrasados” ou “Diretores a colocar, nem pensar, nem pensar” foram algumas das palavras de ordem em dia de paralisação. Desta vez, a classe docente garante que não vai perder a luta que “há anos trava com o Ministério da Educação”.

Manuel Nobre, presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS) declarou ao JA que os professores do Algarve “estão de parabéns porque estão a dar uma demonstração inequívoca ao Governo daquilo que é a união e a força da classe”, naquele que encara como “um grande dia, um grande dia de greve e um grande dia de concentração”, sublinhou.

Para que as reivindicações sejam ouvidas pelo Governo, o dirigente reforça a importância de “continuar a lutar e de dizer bem alto que exigimos respeito pela profissão e que não aceitamos mais precaridade”. Durante o seu discurso no Largo do Mercado, Manuel Nobre alertou os professores para “não irem na cantiga do bandido”, pois “o Governo quer passar a ideia de que está a negociar e que está tudo a correr bem, ignorando, esquecendo e empurrando com a barriga os problemas de fundo que afetam a profissão”.

Por seu turno, a presidente do SPZS, Ana Simões, disse aos jornalistas que foi um “grande dia de luta” contra a “intransigência” do Governo “em atender às reivindicações de há muitos anos” da classe.

Em Faro, o secretário-geral adjunto da Fenprof, José Feliciano Costa, juntou-se aos professores e educadores em greve, onde foi distribuído à população um manifesto com as razões que fundamentam a luta daquele classe.

O sindicalista certificou que “os professores não vão parar” e explicou que as greves distritais são “uma resposta que o ministro [da Educação] tem de ouvir. No dia 20 de janeiro, ele estava muito incomodado com os milhares de professores que estavam cá fora, mas, depois, a proposta que apresentou não vai ao encontro de nada (…) Parece estar a gozar connosco”, exigindo que o governante apresente “coisas que mudem” nas negociações com os sindicatos.

Manuel Nobre, presidente do SPZS e José Costa, secretário-geral adjunto da Fenprof

“Hoje ninguém quer ser professor”
Carlos Luís, diretor do Agrupamento de Escolas João de Deus, em Faro, participou na manifestação enquanto “professor, diretor e pai”. Ao JA, atentou que “chegámos a um ponto em que o futuro da educação em Portugal está em causa, assim como o futuro dos nossos filhos e do País. Um quarto dos professores tem mais de 60 anos. Hoje ninguém quer ser professor”, lamenta.

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Questionado sobre se corremos o risco de não ter professores para lecionar no futuro, o responsável exclamou: “Não, Não! O risco é já hoje. Tenho horários sem professores. Os professores, apesar de estarem em luta, continuam a dar de si para assegurar, com horas extraordinárias, com alterações de horários, com sobrecarga de trabalho, que os alunos tenham aulas”, sustenta.

Responsável por um agrupamento com cinco escolas e mais de 2000 alunos, Carlos Luís identifica “dois grandes problemas” no setor: “Um a curto-prazo, que é a falta de professores, e um a médio-longo prazo que tem a ver a reestruturação da carreira e com o tornar a profissão apelativa aos jovens”.

“Se pensarmos que um jovem para ser professor tem que ir para uma universidade, fazer uma licenciatura de três anos e mais dois anos de mestrado, com todos os custos financeiros e pessoais que isso implica, e depois vai ganhar mil euros sem saber para onde vai trabalhar ou se vai trabalhar, com que horário e até quando… Qualquer trabalhadora da Zara ganha mais do que um professor. Alguma coisa está muito mal”, repara.

Quanto às soluções, afirma que “é preciso que haja boa vontade” e vai mais longe: “Se há dinheiro para a TAP, para os bancos e para tudo o que nós sabemos – dinheiros rotos – tem de haver dinheiro para a educação. Estamos a voltar ao tempo do PREC em que os professores foram saneados e que eram os alunos mais velhos que nos vinham dar aulas”, recorda.

Professores estrangeiros a ensinar Português
“No limite, já posso contratar pessoas que não são licenciadas e que só têm determinado número de créditos. Já tenho professores estrangeiros que foram colocados para dar aulas do 1.º Ciclo para ensinar Português. Temos professores que estão no Brasil e que estão a concorrer para cá, estando no Brasil… O que é que estamos a fazer à nossa Educação? O que queremos para o País?”, questiona.

Relativamente ao congelamento das carreiras, Carlos Luís aponta o dedo “aos sucessivos Governos que têm apanhado a boleia do engenheiro Sócrates. Foi aí que tudo começou”, afirma. “O último governo que se preocupou com a Educação foi o Governo de António Guterres. A partir daí andaram todos à boleia do que foi feito com aquela senhora, de triste memória, chamada Maria de Lurdes Rodrigues”.

“As pessoas chegaram a um ponto de saturação (…) Temos um sistema de avaliação que não funciona e que está completamente decrépito”, critica. Apesar de alguma descrença, diz-se “esperançado” num acordo “para bem dos alunos e da escola pública”.

O JA foi também ouvir Fernando Caçote, professor de Português-Inglês na Escola Básica Engenheiro Nuno Mergulhão, em Portimão. Aos 55 anos, com 30 de serviço, está “descontente” porque deveria estar colocado no topo da carreira e está “no 4.º escalão” numa lista de cotas que não lhe garante que algum dia avance na carreira.

“A Educação é considerada uma despesa e nós não somos uma despesa. Toda a classe docente é um investimento para o País e para o futuro do País. É através de gente bem preparada que o País terá sucesso. Desta forma o futuro do País está em causa”, deplora.

Professores denunciam “roubo” de tempo de serviço
Pedro Moura é professor de História no Agrupamento de Escolas Dr. Alberto Iria, em Olhão. Ao JA afirma que o Ministério da Educação “roubou seis anos, seis meses e 23 dias de serviço” e que os professores “não vão abrir mão disso”. “É um direito nosso. Uma razão justa. Temos a Justiça do nosso lado, não iremos parar nem desmobilizar, quero que tenham isso bem presente”. Para si, “a postura arrogante do ministro” foi a gota de água. “A ele temos que agradecer por estarmos aqui unidos e mobilizados”, vinca.

Na capital algarvia, os sindicatos uniram-se para denunciar “décadas de decadência da escola pública e da carreira dos professores”. Responsabilizam os “senhores Costa e amigos” pela “tentativa de destruição do património intelectual em Portugal”, exigindo a reposição “de tudo como estava antes de Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues”.

“Nessa altura, todos os professores chegavam ao topo de carreira com 26 anos de serviço. Havia mais professores. Menos burocracia. Os professores tinham tempo para ensinar, havia um sistema de aposentação justo, não faltavam funcionários nas escolas e professores tinham os mesmos direitos”, relembram.

“No ano 2000, um professor em início de carreira ganhava cerca de três salários mínimos. Neste momento, ganha pouco mais que um… Antes eram milhares os professores à espera de uma vaga. Hoje não há quem concorra. Os professores foram empurrados para outros trabalhos ou para fora do País… Pior. Querem transformar as escolas em delegações do IEFP”, ironizam.

A manifestação distrital do Algarve foi promovida pela Associação Sindical de Professores Licenciados (ASPL), Federação Nacional dos Professores (FENPROF), Pró-Ordem dos Professores – Associação Sindical/Federação Portuguesa dos Professores, Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados (SEPLEU), Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação (SINAPE), Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP), Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) e Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU) e Federação Nacional de Educação (FNE).

A greve de professores por distritos arrancou em 16 de janeiro e vai terminar no dia 8 de fevereiro. Para o dia 11 de fevereiro, a Federação Nacional da Educação (FNE) convocou uma greve nacional, em Lisboa, para a qual está prevista a adesão de milhares de professores que irão descer a Avenida Liberdade em protesto.

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