A visita do rei D. Sebastião à “Eurocidade do Guadiana”, em 1573

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No presente mês de Fevereiro de 2023 passam exactamente 450 anos sobre a célebre visita de D. Sebastião ao Alentejo e ao Algarve, registada pelo cronista João Cascão em Relação da Jornada do Rei D. Sebastião, quando partiu da cidade de Évora.

É, portanto, através deste documento à guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Manuscritos da Livraria, Nº 1104 «104») que ficamos a saber da passagem do “Desejado” pelas terras que na actualidade constituem a “Eurocidade do Guadiana”, ou seja: Castro Marim, Santo António de Arenilha (actualmente Vila Real de Santo António) e Ayamonte.

Retrato de D. Sebastião, atribuído a Cristóvão de Morais, patente ao público no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa

De facto, diz-nos o cronista que, no dia 2 de Janeiro de 1573, D. Sebastião e a sua comitiva iniciaram uma jornada de quarenta e quatro dias pelo Alentejo e pelo Algarve, regiões de importância capital no apoio às praças portuguesas do Norte de África. Entretanto, foi no dia 3 de Fevereiro (terça-feira) que o rei, depois de ouvir missa em Tavira, “partiu às sete horas pela posta para Castro Marim”, localizada a quatro léguas de distância. Contudo, diz-nos João Cascão que o monarca não se dirigiu directamente para aquela praça de fronteira. Com efeito, refere o cronista que D. Sebastião fez um desvio ao longo da praia para ver a fortaleza de Cacela, vila que na altura era comandada por D. Rodrigo de Meneses, partindo depois para Castro Marim. Ainda fora da vila, o rei foi recebido por “dez ou doze de cavalo, e duas bandeiras de ordenança, as quais passando El-Rei fizeram a salva”. O “Desejado” foi então recebido na porta da vila por António de Melo, alcaide-mor de Castro Marim, e pelos vereadores, sendo depois acomodado nos aposentos que lhe estavam destinados no castelo. Naturalmente que a presença do monarca naquela praça de fronteira foi motivo de curiosidade por parte dos ayamontinos, pelo que “muitos castelhanos e castelhanas formosas vieram ver El-Rei”.

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Quanto à visita de D. Sebastião a Santo António de Arenilha, conta-nos João Cascão que, depois de jantar nesse dia 3 de Fevereiro, o rei embarcou num bergantim que mandou vir de Faro e, juntamente com alguns fidalgos, foi ver a barra “e um lugar pequeno, que está à entrada dela e defronte para Ayamonte, que chamam Santo António, o qual será de 15 ou 16 vizinhos (fogos), e é senhor dele Luís Leite”. Antes de embarcar, os frades castelhanos do mosteiro de San Francisco, em Ayamonte, vieram beijar-lhe a mão e, a meio do rio, vieram ao seu encontro onze bergantins enviados pela marquesa de Ayamonte e de onde se destacava um, bastante luxuoso, que a marquesa mandava para o monarca português “se embarcar nele” – convite ao qual o rei não anuiu. A fortaleza de Ayamonte disparou toda a artilharia e D. Sebastião foi seguido pela grande comitiva e por moças castelhanas que, “desejosas de ver El-Rei, chegaram-se ao seu batel e pediram-lhe que corresse a cortina, que o queriam ver – o que El-Rei fez”. Chegado a Santo António de Arenilha, viu a vila desde o bergantim, seguindo depois para Ayamonte, onde acudiu à praia e às janelas toda a gente, especialmente “muito formosas (mulheres)”, enquanto a artilharia da fortaleza disparava e repicavam os sinos das igrejas.

A foz do Guadiana, em 1634. Mapa da autoria de Pedro Teixeira, in Descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos

Note-se que, apesar do entusiasmo e da cortesia dos ayamontinos, o rei português parece ter respondido com uma certa frieza e distanciamento, não só ao declinar o bergantim enviado pela marquesa, como também pela sua atitude para com o corregedor de Ayamonte. De facto, diz-nos João Cascão que, desembarcado o “Desejado”, procurou o corregedor ayamontino beijar-lhe a mão, “mas não lha deu, e fez-lhe muito gasalho”. Mais: quando o corregedor se ofereceu para acompanhar o monarca português a Alcoutim, tal como lhe tinha ordenado a marquesa, D. Sebastião mando-o embora, alegando que “o havia de acompanhar ao outro dia”. Seja como for, e apesar de a marquesa de Ayamonte então se encontrar na vila de Lepe, todos os integrantes da comitiva que desembarcaram em Ayamonte foram muito bem atendidos por “moças, e muito formosas”, que serviram “laranjadas e caldeiradas de água de farelos”, por ser dia de Entrudo. De resto, o cronista é bastante claro ao registar o contentamento dos portugueses, “os quais desejavam que durasse o dia eternamente”. Porém, com o cair da noite, a comitiva voltou a recolher a Castro Marim, vila que, de acordo com João Cascão, era por então habitada por duzentos e cinquenta vizinhos, sendo muitos deles degredados.

No dia seguinte, dia 4 de Fevereiro, D. Sebastião partiu para Alcoutim, depois de jantar. Note-se que as ruas de Castro Marim até ao porto de embarque estavam cheias de castelhanos, encontrando-se entre estes o corregedor de Ayamonte, “com o bergantim concertado, e com os mais prestes para o serviço de El-Rei”. O monarca português, porém, recusou a amabilidade do ayamontino e, embarcando no bergantim que tinha vindo de Faro, despediu o corregedor, “o que ele, e os mais castelhanos sentiram em extremo”. No entanto, os bergantins ayamontinos acabaram por acompanhar o rei até Mértola, transportando alguns dos fidalgos mais destacados da comitiva portuguesa. Terminava assim a visita de D. Sebastião aos três municípios que na actualidade constituem a “Eurocidade do Guadiana”. Uma visita manifestamente rápida, mas que ficou registada na cronística sebástica.

*Historiador

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