Cartografia militar de Eusébio de Sousa Soares sobre Vila Real de Santo António

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Já há alguns anos que as investigações acerca do sistema defensivo da foz do Guadiana têm resultado na identificação de interessantíssimas fontes manuscritas e cartográficas sobre as fortificações militares do extremo sudeste algarvio. Entre estas fontes primárias têm-se destacado, desde logo, documentos de grande valor histórico e artístico da autoria de engenheiros militares como José de Sande Vasconcelos ou Baltazar de Azevedo Coutinho. Não se pense, porém, que estes foram os únicos autores a deixar obra produzida sobre a arquitectura militar no extremo sotavento algarvio na transição do séc. XVIII para o séc. XIX. De facto, vários arquivos nacionais têm à sua guarda documentação de grande interesse da autoria de Eusébio de Sousa Soares. Foi nesse sentido que, recorrendo a documentação diversa, procurámos reconstituir o percurso de vida deste engenheiro militar, de modo a percebermos em que contexto surgem as suas produções cartográficas relativas a Vila Real de Santo António.

Guadiana
Projecto do Forte de S. Francisco da Ponta da Arêa da praça de Villa Real de Sto. Antonio, feito
por ordem do Illm.o e Exm.o Snr. Conde Monteiro Mór do Reyno, Governador e Capitão General do Algarve, no anno de 1799. (GEAEM/DIE, 119-2A-26A-38)


Filho de António José de Sousa, Eusébio de Sousa Soares nasceu em Lisboa, em 1766. Em 1781 iniciou a sua formação na Academia Real de Marinha, tendo prosseguido os seus estudos na Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho entre 1790 e 1792. Foi promovido a 2.º tenente em 3 de Novembro de 1792 e colocado no Reino do Algarve em 13 de Novembro de 1796, às ordens de Francisco de Mello da Cunha Mendonça e Meneses, Capitão General do Reyno do Algarve. Em 5 de Dezembro do mesmo ano foi promovido a 1.º tenente, tendo sido incumbido pelo Governador de Armas do Algarve, em 20 de Fevereiro de 1798, de verificar o estado de defesa das fortificações entre Alcoutim e a Arrifana. Foi então responsável por várias obras nas praças de Albufeira, Portimão e Lagos. É a partir de 9 de Setembro de 1799 que o encontramos a prestar serviço na praça de Vila Real de Santo António, incumbido da reedificação das baterias e quartéis de Monte Gordo e do Cabeço. É, aliás, desse ano o Projecto do Forte de S. Francisco da Ponta da Arêa da praça de Villa Real de Sto. Antonio, feito por ordem do Illm.o e Exm.o Snr. Conde Monteiro Mór do Reyno, Governador e Capitão General do Algarve, no anno de 1799 (GEAEM/DIE, 119-2A-26A-38). Projecto, refira-se, que acabou por não se concretizar, tal como não se concretizaram os projectos setecentistas de Sande Vasconcelos e Baltazar de Azevedo Coutinho para a fortaleza da Ponta da Areia.


Entretanto cresciam as tensões que haveriam de resultar na Guerra das Laranjas, pelo que em 19 de Março de 1801, o Governador de Armas do Algarve incumbiu Eusébio de Sousa Soares de pôr em estado de defesa a bateria do Registo, na praça de Castro Marim, e traçar e alinhar o campo de São Bartolomeu, de modo a este conseguir receber dois batalhões de infantaria e uma unidade de artilharia. De resto, era nesta praça que se encontrava aquando da Grande Batalha do Guadiana, em 8 de Junho do mesmo ano, tendo sido destacado para o posto da Azambujeira, onde esteve à frente de uma força de infantaria que ocupou aquela posição durante dez dias, de modo a suster o desembarque das tropas espanholas. Depois deste conflito bélico, Sousa Soares continuou a sua actividade como engenheiro militar no sudeste algarvio. Em 22 de Maio de 1805 foi promovido a capitão, para ter exercício de lente de matemática e fortificação no Regimento de Infantaria de Lagos. Esta promoção não implicou, porém, o término imediato da sua actividade no extremo sotavento algarvio, já que os ofícios do capitão Eusébio de Sousa Soares sobre entrega de todas as plantas de fortificação e cartas topográficas das praças de Vila Real de Santo António e Castro Marim ao Arquivo Militar estão datadas entre 22 de Abril de 1806 e 25 de Agosto de 1807.

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Plano particular das baterias e mais edificios militares pertencentes à praça de Villa Real com as suas fachadas e perfis (…) por Euzebio de Souza Soares, Capitão do Real Corpo de Engenheiros. (GEAEM/DIE, 118-2A-26A-38)

Quer isto dizer que o Plano particular das baterias e mais edificios militares pertencentes à praça de Villa Real com as suas fachadas e perfis, carta de grande interesse histórico e artístico onde se encontram representadas as baterias da Carrasqueira, Pinheiro, Medo Alto, Ponta da Areia, Monte Gordo e Cabeço por Euzebio de Souza Soares, Capitão do Real Corpo de Engenheiros (GEAEM/DIE, 118-2A-26A-38) foi produzido entre 1805, ano da sua promoção a capitão, e 1807, ano da entrega da documentação ao Arquivo Militar. De resto, o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao Plano geral do terreno próximo ao rio Guadiana comprehendo a praça de Villa Real e suas baterias adjacentes, e a praça de Castro Marim, por Euzebio de Souza Soares, Capitão do Real Corpo de Engenheiros (I.G.P., C.C.A., Nº 256), trabalho que apresenta a localização das baterias de artilharia de Vila Real de Santo António ao longo da margem portuguesa do Guadiana.


Em 1908, durante as Invasões Francesas, Sousa Soares aparece referido como membro da Junta Provisional de Lagos e com responsabilidades a nível de comando militar. Em 17 de Fevereiro de 1810 parte para a praça de Elvas, tendo pouco depois assumido o governo interino da praça de Juromenha, e em 12 de Fevereiro de 1812, já com o posto de major, passou a oficial supranumerário, aquando da reorganização do Real Corpo de Engenheiros. Findo o governo interino na praça de Juromenha, Sousa Soares regressou ao Algarve, incumbido de inspeccionar as fortificações da costa algarvia, entre 27 de Outubro de 1814 e 12 de Junho de 1815. No entanto, foi a sua última viagem ao Algarve, já que regressou a Elvas, onde desenvolveu profícuo trabalho como engenheiro de fortificações até inícios de 1820, quando faleceu por motivo de doença. Entre a sua obra ficou, pois, três extraordinárias obras cartográficas relativas à praça militar de Vila Real de Santo António.

Fernando Pessanha

*Historiador

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