Francisco Ramires, 38 anos a dedilhar guitarras e sonhos

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No final de janeiro comemoraram-se 38 anos da existência da Escola de Violas da Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António. Por lá já passaram milhares de alunos, que aprenderam os ensinamentos de Francisco Ramires, conhecido e tratado carinhosamente por Chico. Muitos desses alunos são hoje músicos profissionais e já pisaram grandes palcos, sempre com todas as bases presentes daquilo que aprenderam nos anos em que frequentaram aquela pequena grande escola

É nas traseiras da Junta de Freguesia de VRSA que a magia da música acontece. A Escola de Violas nasceu através de uma ideia do professor Hélio Rodrigues, que no ano de 1984 sugeriu a Francisco Ramires, agora com 86 anos, a possibilidade de criar uma escola e ensinar música aos jovens.


O sucesso foi tanto, que no ano seguinte a escola juntou no palco do Glória Futebol Clube cerca de 120 alunos de várias idades e com a mesma paixão: a música.

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A partir daí, à medida em que os alunos foram aprendendo, Francisco Ramires teve uma ideia de criar uma tuna. Ao explicar o conceito aos seus alunos, ficaram imediatamente entusiasmados.


“Comecei depois a pensar no tipo de música que lhes daria e o que me ocorreu na altura era dar-lhes música popular portuguesa. A maioria deles não gostava muito, mas passado alguns meses já eram eles que me pediam mais”, conta.


Surgiu assim a Tuna da Junta de Freguesia de VRSA, que durou até há cerca de dois anos. No entanto, Francisco Ramires gostava ainda de criar uma tuna com crianças “antes de desaparecer”.


Por esta tuna passaram mais de 200 alunos ao longo de todos estes anos, percorrendo o Algarve, o País e além fronteiras, ficando agora as “recordações fantásticas”.


“Fomos atuar a Espanha, França, Holanda e até à Irlanda. E não íamos de avião. Íamos de camioneta. Apesar de dar sempre dores de cabeça, era uma satisfação”, considera.

A paixão pelo ensino da música


Francisco Ramires é um apaixonado por aquilo que faz. Apesar de estar reformado, não se considera como tal.


“Isto é uma paixão e faço isto por gosto. Sou muito emotivo e aquilo que eu gosto é para continuar. Isto vai ter um fim quando eu morrer, mas enquanto puder, estou aqui. Aqui ou noutro sítio qualquer, mas sempre a ensinar música. E continuo a tocar como tocava antes!”, confessa ao JA.


Apesar de hoje em dia a oferta de ensino de música ser muito mais diversificada, Francisco Ramires considera que “é sempre agradável” continuar a dar as suas aulas, principalmente aos mais pequenos, onde há curiosidade e “a maioria deles gosta também de cantar”.


Por aquela escola já passaram muitas gerações. E agora começam a inscrever-se os filhos dos antigos alunos.


Além da música, todos os alunos que por ali passam acabam sempre por aprender algo mais. E tudo isso tem contribuído para o desenvolvimento de uma melhor sociedade no concelho.


“Felizmente, a Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António, a Escola de Violas e a Tuna conseguiram tirar muitos jovens da má vida”, explica.


Durante todos estes anos, a sede da escola já passou por vários locais. Uma das salas do Glória Futebol Clube, as traseiras de uma padaria, o piso superior de um estabelecimento comercial, a Universidade de Tempos Livres e até uma sapataria já foram sítios onde se ensinava música com Francisco Ramires.


“Quando dava aulas nas traseiras da padaria, a céu aberto, de inverno o que nos aquecia eram os fornos. E quando chovia, fazíamos uma cobertura com plásticos”, refere Chico, demonstrando a sua paixão e a dos seus alunos pelas suas aulas e pela música, que ultrapassa todos os obstáculos. E todos esses momentos fazem agora parte de recordações, que muitas vezes são tema de conversa quando há reencontros com velhos alunos.


“Dá-me uma grande satisfação quando nos encontramos. Gosto de voltar a vê-los sempre. Com muitos deles existe amizade”, salienta.


Atualmente, Francisco Ramires dá aulas de música a cerca de 20 alunos, mas ao longo dos anos já teve um pouco de tudo. O seu aluno mais novo teria entre os cinco e os seis anos, até o mais velho com uma idade superior a 70.

Uma vida rodeada de notas musicais


Durante toda a sua vida Francisco Ramires gostou de música, até ao dia em que a sua mãe o incentivou a aprender a tocar guitarra. Por volta dos 14 anos, na companhia de Sérgio Peres, músico vilarrealense e fundador da banda com o mesmo nome, começa a nascer dentro de Chico a paixão por tocar guitarra.


Com os incentivos de Sérgio Peres, uma das suas maiores inspirações, acaba por ter a sua própria guitarra e foi aprendendo tudo sozinho.
“Entretanto, como eu estava muitas vezes à porta da minha casa, acabei por juntar alguns amigos e criámos a nossa primeira banda”, conta.


Essa primeira banda chamava-se “Arco Íris” e nasceu em cerca de 1956, quando Francisco Ramires tinha 18 ou 19 anos.


Durante 12 anos pisou o palco do hotel Vasco da Gama, em Monte Gordo, onde atuava o ano inteiro, fosse época alta ou baixa. Por todo o Algarve, tocou em muitos hotéis e casinos.


Além dos “Arco Íris”, Francisco Ramires fez ainda parte dos “Oropesa” e de “Os Ideais”, que pisaram palcos pela estrada fora.


Apesar do seu instrumento preferido ser a guitarra, Francisco Ramires, que também foi alfaiate, sabe também tocar acordeão, cavaquinho e bandolim, que ainda hoje ensina aos seus alunos.

Os 38 anos de ensinamentos de Francisco Ramirez estão expostos até final do mês

Base de ensinamento


Marco Reis, de 41 anos, foi aluno de Francisco Ramires desde pequeno. Agora a pisar grandes palcos ao lado de artistas como Agir ou André Sardet, o músico vilarrealense recordou ao JA o seu primeiro dia de aulas na Escola de Violas da Junta de Freguesia de VRSA.


“Devia ter entre os cinco e o seis anos, porque eu lembro-me do Chico me ter dado uma folha com o nome dos dedos, das cordas e das partes da guitarra. Como eu ainda não sabia ler, foi a minha mãe que me explicou”, conta.


A sua entrada na Escola de Violas da Junta de Freguesia de VRSA foi “um processo natural”, uma vez que naquela época “quase todos os miúdos, tivessem ou não jeito para a música, passavam por lá nem que fosse para ter apenas duas aulas”.


A tuna também fez parte do seu percurso e marcou a vida de Marco Reis, uma vez que a primeira vez que atuou ao vivo foi com Francisco Ramires, numa festa que decorreu no auditório do Glória Futebol Clube.


E como naquela época “não havia visitas de estudo”, ir com a tuna tocar “por exemplo a Alcoutim, era logo um acontecimento incrível”.


E todo este percurso na escola vilarrealense teve bons resultados: “Quando comecei a tocar com músicos mais velhos, percebi que tinha uma base de ensinamento. Nós estávamos horas a fazer repetições, mas o que te torna melhor é mesmo isso. Fazer a coisa tantas vezes até se tornar intuitivo”, refere.


Tal como Francisco Ramires, Marco Reis é também professor de música, em Lisboa, e admite que vai se baseia em muitos ensinamentos do seu antigo docente.


“Sem dúvida que a maneira como eu dou aulas tem muita influência do Chico. Já tive aulas em Espanha, no Hot Club de Portugal, mas sem dúvida que mais de metade dos ensinamentos que dou aos miúdos mais novos começam da mesma forma que eu aprendi com o Chico. Vem tudo da mesma base”, explica.


Em relação às aulas em si, Marco Reis recorda que Francisco Ramires “consciente ou inconscientemente sempre soube manter a distância entre o que era a brincadeira e a parte do respeito. E hoje em dia também tenho isso com os meus alunos, porque dar aulas a miúdos é muito complicado”.


Para Marco, Francisco Ramires “despertou as crianças para a música, que é uma coisa que hoje em dia já está mais apagada. Ter ensinamentos de música numa determinada idade é super importante. O Chico ensinou ferramentas importantes para o desenvolvimento de cada um de nós”.

“Ninguém sabia sequer segurar a guitarra no colo”


Sara Brito tinha acabado de fazer nove anos e foi uma das primeiras alunas a inscrever-se na Escola de Violas da Junta de Freguesia de VRSA.


“Foi logo no primeiro dia em que a escola abriu. Ainda não havia classe e estávamos todos juntos a ouvir o professor”, começa por dizer ao JA.
Agora com 47 anos, a vilarrealense que naquela época já tinha uma ligação com a música, decidiu inscrever-se naquela escola porque tinha “vontade de aprender mais”.


“Inicialmente era um ambiente em que estávamos todos um bocadinho expectantes. Ninguém sabia sequer segurar a guitarra no colo”, confessa.


Recordando a tuna, Sara Brito destaca que “foi a Escola de Violas que nos levou a conhecer um pouco do Algarve, do País e da Europa. Não havia nada equiparado. Nós íamos de autocarro por aí, a cantar e era uma alegria. Mesmo durante a semana íamos tocar a hotéis e depois tínhamos direito a usufruir da piscina e a um lanche. Era um convívio muito agradável”.


O seu percurso naquela escola durou cerca de nove anos, até Sara Brito ingressar na universidade, mas o contacto nunca ficou perdido.


“Até durante a universidade eu ia a algumas atuações, quando era possível. Depois a vida foi mudando e agora acabo apenas por ir aos aniversários.

Mas há sempre um contacto com o Chico. Há quem goste mais e quem goste menos, mas acabou por ser um educador de todos os miúdos que por lá passaram. Com ele aprendi a conviver, a saber comportar-me em diversos sítios com disciplina e rigor, ao mesmo tempo em que havia muita brincadeira”, acrescenta.


Para Sara Brito, Francisco Ramires “é uma pessoa que dava liberdade, mas ao mesmo tempo também dava responsabilidade e estava presente e atento”.

Recordar em fotografias


Os 38 anos da Escola de Violas da Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António podem ainda ser recordados através de uma exposição fotográfica, patente até ao dia 28 de fevereiro na Biblioteca Municipal Vicente Campinas.


No primeiro piso está disponível uma coleção de fotografias, onde é possível observar todos os alunos e todos os locais por onde a escola e a tuna passou ao longo das décadas, intercalada com instrumentos do próprio Francisco Ramires.


A inauguração desta exposição decorreu na segunda-feira, começando com uma pequena atuação do professor e de alguns dos seus alunos, com direito à participação do público e de uma ex-aluna da escola.

Gonçalo Dourado

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