Esquerda negoceia mais impostos para banca, empresas e automóveis

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ANTÓNIO COSTA. PM enfrenta a primeira grande dificuldade. E promete ter OE pronto até quinta-feira

O Governo manteve ontem à tarde uma nova ronda negocial com o BE e o PCP, com o objetivo de identificar novas medidas de aumento de receita que permitam a Portugal aproximar-se de Bruxelas, de forma a receber o aval da Comissão Europeia (CE) ao Orçamento do Estado (OE) de 2016. Esta terça-feira, Lisboa recebeu mais um aviso de que o esforço feito até agora não é suficiente – aviso feito com a autoridade acrescida do número dois da Comissão, Valdis Dombrovskis.

A exigência de novas medidas surgiu imediatamente antes de uma nova ronda negocial – primeiro com o BE, depois com o PCP – no gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que tem sido o pivô das conversas à esquerda. Ao que o Expresso apurou, os contactos têm sido “non-stop” e permitiram chegar a acordo sobre algumas medidas adicionais que o Governo enviou já esta semana para Bruxelas.

Mais medidas para 0,2% de ajustamento

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As medidas negociadas à esquerda, já depois do envio do draft do OE, incluem uma nova contribuição sobre a banca, um agravamento do impostos sobre veículos e ainda um aumento adicional do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP, que já tinha sido alvo de uma primeira proposta de agravamento). Em cima da mesa estariam também medidas relacionadas com a reavaliação dos ativos das empresas.

Um pacote desenhado à medida para cumprir as linhas vermelhas estabelecidas nos acordos do PS com o BE e o PCP, de forma a receber luz verde dos partidos à esquerda dos socialistas – não por acaso, os visados são a banca, as empresas e as importações (no caso, de automóveis e de combustíveis).

Bruxelas diz que ainda não chega

De acordo com uma das partes envolvidas na negociação à esquerda, estas novas propostas, já enviadas a Bruxelas, permitem um ajustamento adicional do défice estrutural em 0,2% do PIB (além dos 0,2% já propostos). Porém, não foram consideradas suficientes pela Comissão. O que faz com que tenham de ser negociadas mais medidas entre o governo e os partidos que o suportam no Parlamento – trabalho que continuou esta tarde e deverá prolongar-se até quinta-feira, dia de aprovação do OE em Conselho de Ministros. No encontro de hoje não foram colocadas em cima da mesa mais medidas adicionais, além das quatro já referidas neste texto.

O vice-presidente da CE disse em conferência de imprensa, ao início da tarde desta terça-feira, que ainda não foi possível chegar a um entendimento relativo ao esboço do OE português para este ano, sendo claro na exigência de novas medidas até sexta-feira. “Têm decorrido discussões intensas até ao momento com as autoridades portuguesas, mas ainda não vemos progressos suficientes na preparação do plano orçamental de Portugal que cumpra o Pacto de Estabilidade e Crescimento”, declarou.

Exigências… mas com cedências da Comissão

Fonte da Comissão ouvida pelo Expresso esclarece que as negociações estão “complicadas” e que há ainda “um grande gap” entre o que Bruxelas quer e o que o Ministério das Finanças está a propor. A mesma fonte explica que “há flexibilidade e que a Comissão Europeia já não está a pedir o que pedia inicialmente. Mas se Bruxelas pode ceder, o Governo terá de encontrar mais medidas adicionais”.

O número dois do executivo comunitário admitiu que são necessárias medidas orçamentais adicionais para Portugal cumprir a redução do défice estrutural em 0,6%, enquanto o esforço inicial prometido pelo Governo português era de 0,2%.

Porém, o governo desdramatiza o clima de tensão com as autoridades europeias. “Não está a ser fácil, mas não é como estão a pintar”, diz uma fonte governamental, confiante de que o Governo “vai fazer mesmo” a quadratura do círculo: apresentar um OE que respeite os compromissos eleitorais do PS e os acordos com a esquerda, e em simultâneo, as exigências europeias.

Em contrapartida pelas medidas extra já apresentadas por Lisboa para tentar a aproximação às exigências europeias, o Governo espera ganhos de causa nas negociações “técnicas” que decorrem em relação aos vários pontos em divergência com a Comissão na questão da redução do défice estrutural de 2016. A principal questão é a forma como foram contabilizados no passado os cortes nos salários da função pública e a receita da sobretaxa de IRS – duas medidas que o Governo quer eliminar este ano, mas sobre as quais não aceita a classificação como estruturais, por serem decisões que sempre tiveram caráter transitório. Mas essa é uma discussão em relação à qual a esperança de que Bruxelas ceda não é muita.

Discussão “técnica” de 800 milhões

Mas há outra questão técnica sobre a qual o Governo tem uma expectativa mais otimista: os quase 800 milhões de euros de receita fiscal sobre os quais o Executivo acusa o anterior governo de ter feito batota para melhorar as contas de 2015, em prejuízo do exercício de 2016.

Estes 800 milhões de euros, tal como o ministro das Finanças explicou logo na apresentação do draft orçamental, são efeitos que transitam de 2015 para 2016 e que resultam de medidas tomadas pelo governo anterior. Como detalhou então Mário Centeno, este montante resulta de 230 milhões de perda de receita de IRC associada à descida da taxa em 2015 cujo efeito é sentido apenas este ano, de 250 milhões de euros com a alteração do regime fiscal dos fundos de investimento, de 200 milhões de euros relativos ao quociente familiar no IRS que não teve tradução na retenção mensal e 135 milhões de euros relacionados com contribuições para o Fundo de Resolução.

Estes efeitos representam um efeito de 0,5% do PIB que, se for retirado do défice estrutural, ajudam a aproximar a posição de Lisboa e Bruxelas. O problema é que as contas iniciais do draft orçamental continuam a dúvidas. O Governo apontava para uma redução do défice estrutural de duas décimas (de 1,3% para 1,1%), mas a reclassificação de várias medidas como estruturais, tal como avançou a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), transformou essa redução numa subida de 1,7% para 2,1%.

Partindo dos números da UTAO, uma redução de seis décimas obrigaria a que o défice este ano fosse de 1,1%, ou seja um ponto abaixo dos 2,1%. Esta consolidação corresponde a cerca de 1800 milhões de euros. Mas, caso a Comissão retire deste esforço os 0,5 pontos dos 800 milhões de euros que transitam de 2015, o esforço é reduzido para metade…. Até ao fim da semana, as máquinas de calcular continuam em cima da mesa.

Filipe Santos Costa, João Silvestre e e Susana Frexes (Rede Expresso)

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