Falta de chuva deixa agricultores à beira do desespero

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Com a primavera à vista e o verão já a assomar, os agricultores e pecuários algarvios andam com a cabeça à roda por estes dias. Tal como acontece em todo o País, no Algarve não chove há meses, as barragens são um ralo gigante a céu aberto e desse céu quase sempre ensolarado não cai gota que se veja. Na adivinha de dias ainda mais difíceis, já há planos de contingência a caminho, fala-se até em não semear para não haver ainda mais prejuízo. O JA foi medir o pulso à seca na região e faz o diagnóstico da falta de água. Nos campos e nas barragens

Nuno Coelho, criador de caprinos

“Nuno Coelho, 48 anos, produtor de cabras e semeador de culturas do Nordeste algarvio, só se lembra de um ano assim em 2005, as árvores pontuando uma paisagem de terra seca vermelha e nem um simples mato rastejante, fosse verde ou amarelo. “Estamos à beira do que aconteceu nesse ano”.

Se não se der o milagre da chuva, garante o agricultor, este será o ano em que muita gente vai abandonar a atividade, sobretudo pequenos agricultores a quem a ideia de “atirar a toalha ao chão” já pairava na cabeça.


No que se refere ao produtor de caprinos, ainda não chegámos a tão tremenda escassez, embora para lá caminhemos a passos largos: largadas no mato, as suas 80 cabras vasculham a última palha seca em volta, “daqui a dois ou três meses tudo isso vai acabar”, vaticina.


Mas o pior, para já, está reservado para quem tem ovinos e bovinos, que não comem mato, produtores que “estão a largar os animais às searas, ou seja, estão a pô-los lá para comerem o pouco que nasceu. Senão estas geadas vão acabar com as searas mal nascidas e depois é que não se aproveita nada. E as pessoas na expectativa de aproveitar ainda alguma coisa lançam os animais para comerem o que está verde e na expectativa de que ainda chova e que não vão perder tudo com a geada”, explica ao JA o produtor pecuário da zona de Alcoutim. Assegura até que, dentre os seus colegas produtores de animais maiores, há quem já os esteja a vender, de incomportável que se está a tornar o sustento da manada.


No seu caso, calcula que este ano vai ter que duplicar a despesa que costuma ter em forragens. “Todos os anos compro feno e palha, como complemento do que temos no campo. Este ano estou a recorrer a isso de forma mais prematura. Estou a comprar mais palha e feno para os animais, para os aguentar. Comprei feno para lá do que era normal em termos de gasto. Semeei e ainda vou ter que comprar mais. É um prejuízo enorme. Vou ter que adquirir pelo menos o dobro de forragens e pasto do que adquiri já. Gasto 2000 por ano em palha e feno. Este ano vou ter que gastar pelo menos isso mais o custo acrescido. E o produto tem que vir de Espanha. Mais o custo dos combustíveis. Calculo que tenha que gastar pelo menos uns quatro mil euros, o dobro do que costumava gastar. Isto não traz grande negócio, com este cenário pior ainda”, contabiliza.

“As plantas ‘pensam’ que é primavera”


Tirando alguns aguaceiros e chuvas esparsas, a verdade é que desde setembro não chove por aquelas bandas e Nuno Coelho desespera: “Choveu em setembro e daí para cá não tem chovido. Na altura, ficámos com alguma esperança, de que ia ser um bom ano agrícola. Semeou-se aí, tenho 30 hectares semeados, mas as coisas estão completamente perdidas. São cereais, trigo, aveia e tremocilha. A semente nasceu e depois deixou de haver água. Semeei em outubro, as terras tinham alguma humidade dessas chuvas de setembro, as sementes rebentaram, semeou-se alguma coisa, mas alguma agora já está espigada. As plantas estão completamente baralhadas e “pensam” que é primavera”, personifica o agricultor, que estende às árvores os efeitos nefastos da falta de chuva: “Até as alfarrobeiras também estão a perder todas as alfarrobas, as poucas que estão nas árvores estão a ficar queimadas deste frio”, constata.


De resto, a seca está a afetar de forma avassaladora a produção de alfarrobas no Algarve. Devida à pouca oferta, o valor de mercado daquele produto regional tem subido exponencialmente para valores nunca imaginados. Um pouco por toda a região, uma arroba (15 quilos) de alfarroba já chega a custar 50 euros. A falta de água está a diminuir a quantidade de alfarrobas nas árvores. Sem chuva, o fruto não se desenvolve, e – conforme assinala Nuno Coelho – boa parte da produção começa a ficar queimada.


Efeitos perniciosos que não se restringem ao sequeiro: também a produção de citrinos está a ser afetada pela seca. O tamanho de cada laranja reduziu e os custos de produção aumentaram, uma vez que os agricultores tiveram de começar a regar antes do previsto. A qualidade do fruto acaba também por ser menor, explicitava esta semana um agricultor ao JA.

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Também ao JA, o diretor regional da Agricultura e Pescas, Pedro Monteiro, garante que estão a ser preparados planos de contingência a nível nacional, dada a falta de chuva em todo o País. No Algarve, esses planos competem às três associações de regantes da região.


“Ainda estamos em época de chuvas e até abril ainda pode chover. O que se está é a fazer um plano de emergência, para o caso de não chover aquilo que deveria”, ressalva, explicando que esse plano passa, numa primeira linha, por fazer o levantamento e monitorização dos volumes disponíveis: “Faz-se o levantamento das necessidades, das culturas temporárias, de primavera/verão ainda não instaladas no terreno, no sentido de, em caso de necessidade, diminuir a área de cultura ou nem chegar a fazer essas culturas temporárias. No caso das culturas permanentes, se a situação o vier a exigir, será preciso aplicar cortes de água, numa situação já muito extrema, por exemplo permitindo a rega só nos dias úteis ou em dias alternados.

Pedro monteiro
Pedro Valadas Monteiro, diretor Regional da Agricultura

Regantes da Bravura já não têm água


Por enquanto, um assomo de tais contingências só chegou à zona do Alvor, pela mão de decisão do Governo, com os regantes locais a serem obrigados a restringir as regas das suas culturas a partir da barragem da Bravura, aquela que, entre as albufeiras algarvias, é a que apresenta piores níveis de água: estava a 14,4% do volume total em 31 de janeiro. Dos 34 milhões de metros que enchem aquela barragem, restam agora cinco milhões, e apenas metade desses cinco (2,5) são utilizáveis. A outra metade é volume morto.


Segundo Pedro Monteiro, no ano passado a Bravura distribuiu 7 milhões, mas este ano restam apenas 2,5 milhões para distribuir. Menos de 15% daquela água é para agricultura, a fatia de leão (60%) é vendida pelos regantes à empresa Águas do Algarve para consumo humano e 15% vai para três campos de golfe. “Nessa zona temos 2800 hectares de ocupação agrícola, com muitas culturas temporárias de primavera-verão [hortícolas]; estão em maior risco porque não foi feito ainda o investimento. A Bravura tem muitas culturas temporárias”, explica o diretor regional da Agricultura, calculando que a Bravura abastece 930 a 940 agricultores.


De resto, em caso de entrada em vigor dos planos de contingência atualmente em planificação, serão as culturas temporárias as primeiras a sofrer: hortícolas como pimento, tomate, couves, alfaces, feijão verde, poderão ser as primeiras a claudicar. Não se chegarem a fazer (para limitar prejuízos evitando o investimento em vão) ou fazer de forma limitada. “No caso das culturas permanentes, é mais complicado, porque já estão instaladas no terreno. Falamos de citrinos, vinho, estufas, abacates, romãzeiras, diospireiros, etc”, explica Pedro Monteiro.


“Tem que haver alguma serenidade. Ainda pode chover e tudo se pode alterar. Se não chover, é preciso que os agricultores estejam informados da situação, das alternativas. Saber a evolução das disponibilidades e dos consumos e depois termos atempadamente que fornecer indicações para saber com que linhas se podem coser. Os agricultores devem estar atentos às alternativas”, enfatiza.


Se não chovesse mais este ano hidrológico, o volume de água existente nas barragens daria para ano e meio de consumo, garante por seu turno o presidente da empresa Águas do Algarve, António Eusébio, que gere o abastecimento de água para consumo humano. E precisa: entre os sistemas enquadrados pelas albufeiras Odeleite+Beliche e Odelouca há neste momento um volume total de 114 milhões de metros cúbicos. O consumo humano anual ronda os 70 milhões, daí o tal ano e meio possível de consumos.


“Isso significa que este ano conseguíamos resolver a situação caso não chovesse. Mas se no próximo inverno não chovesse mais nada teríamos problemas, sobretudo no Barlavento. São medidas que não são desejáveis, são medidas extremas que põem em causa a economia de muitas famílias”.


Mais uma vez, o caso da barragem da Bravura – com mais de metade da água a ser enviada para consumo humano – assume foros de preocupação, também para o presidente da Águas do Algarve: “Sem dúvida, o caso mais preocupante é a Bravura. Já em 2021 foi o ano em que menos se fez chegar para consumo humano. Foram 2,1 milhões, comparando com outros anos em que era em média 4 milhões. Graças à contingência tivemos que reduzir em 50%. Agora, caso não chova, esses 2 milhões anuais são o mínimo que as Águas do Algarve necessitam de ter” O que significa, adianta, que caso não chova nos próximos meses, a Águas do Algarve terá que ir buscar água a fontes alternativas para suprir as faltas da Bravura.


Naquela barragem, os regantes (que a gerem e depois vendem a água que não consomem à Águas do Algarve e aos campos de golfe) consomem habitualmente 3 a 3,5 milhões e no ano passado só usaram 1 a 1,5. Os três campos de golfe consomem 1,2 milhões.

Grandes explorações já “com as barbas de molho”


Preocupados com as carências de água no oeste da região, agricultores e produtores do barlavento algarvio já estão a reclamar medidas urgentes para combater a falta de água para as culturas de regadio, prevendo “grandes complicações” para a próxima campanha agrícola, devido à seca extrema e falta de água nas barragens.


“São precisas medidas urgentes e políticas concretas e efetivas para combater o problema da falta de água para o regadio, porque, infelizmente, corremos o risco de muitos agricultores abandonarem as explorações”, lamenta David Ferreira, o responsável da empresa Frutas Tereso, produtora de citrinos no barlavento algarvio.


“Infelizmente, caso não chova nos próximos meses, toda a produção frutícola e hortícola fica posta em causa, o que faz prever já grandes complicações para a campanha agrícola que começa em março, abril”, apontou o responsável da Frutas Tereso.


David Ferreira defende a implementação “imediata de medidas que possam atenuar a falta de água, num ano que se está a revelar como um dos mais secos dos últimos 20” anos, sublinhando que a situação é comparável à que viveram há alguns anos os países do Norte de África.


“Embora há vários anos se fale num plano hídrico para o Algarve, as coisas andam devagar e não se veem movimentações no terreno para que se encontrem soluções para um setor que sentimos que é o parente pobre na região”, notou.


Para o responsável da empresa, que movimenta, em média, 20 mil toneladas de citrinos anuais, “caso não haja políticas concretas e efetivas, o Algarve corre o risco de ver desaparecer a maioria das explorações agrícolas, onde foram investidos milhões de euros para aumentar a sua eficiência hídrica”.


A preocupação sobre o futuro daquele setor primário é partilhada também pelo responsável da empresa Brejeira, dedicada ao setor da fruticultura e horticultura, em que a escassez de água para a próxima campanha está a ser vista “como um sério problema”.


“Estamos assustados com a fraca pluviosidade deste ano hidrológico e os baixos níveis de água armazenados nas barragens, o que se reflete nos custos de produção e na qualidade dos produtos”, apontou Luís Santos.


Segundo o responsável, a ausência de chuva nos últimos meses “obrigou os produtores a efetuarem regas contínuas, através de barragens e de furos próprios, o que aumenta os custos de produção, devido à utilização de energia elétrica para o funcionamento das bombas”.


“Além disso, enfrentamos também o problema da escassez de água nos furos, o que nos obriga a olhar para o futuro com muita apreensão”, destacou o empresário. “Temos estado sempre a regar e no final da campanha reduzimos o número de dias de fornecimento de água”, apontou.


Além da Bravura (que contém 14,4% do volume total), no barlavento existem a barragem do Funcho (uma barragem “de reserva” que está a 66% da capacidade) , Arade (46,2%) e Odelouca (50,5%), esta última apenas para consumo humano. No sotavento, Odeleite está com 52,5% da sua capacidade total preenchida e Beliche com 44,7%. Estes dados, do Sistema Nacional de Informação dos Recursos Hídricos (SNIRH), reportam-se a 31 de janeiro deste ano.

João Prudêncio

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