Lavagem de dinheiro. Número de operações bancárias suspeitas aumenta 20% num ano

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A preocupação crescente na Europa com a forma como os grupos terroristas internacionais, sobretudo ligados ao extremismo islâmico da Al-Qaeda e do Daesh, fazem circular dinheiro tem vindo a reforçar os meios com que as autoridades detetam esquemas de branqueamento de capitais. E isso está a acontecer também em Portugal, pelo que se conclui do relatório-síntese da primeira avaliação nacional de riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, publicado no final do ano no site da Direção-Geral da Política de Justiça, feito por um grupo de trabalho nomeado em 2013 pela então ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque.

De acordo com o relatório, o número de operações suspeitas de lavagem de dinheiro reportadas pelos bancos em Portugal aumentou 20% em apenas um ano. De 2020 casos em 2012 para 2400 casos em 2013.

Os métodos utilizados pelos terroristas para financiar atentados no Ocidente e o armamento de grupos no terreno, como é o caso do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) na Síria, confundem-se cada vez mais com os esquemas usados por organizações de tráfico de droga e por redes ligadas a regimes corruptos. Recorrendo, por exemplo, a contas em bancos que são tituladas por companhias com sede em offhores, controladas por sua vez por ações ao portador (que não têm nenhum nome associado e estão guardadas em cofres pelos verdadeiros beneficiários). O que significa que qualquer reforço no combate ao financiamento do terrorismo acaba por ter impacto na deteção de esquemas de lavagem de dinheiro relacionadas com os crimes tradicionalmente associadas a ela: fraude fiscal, tráfico de droga, burlas ou corrupção. E é isso que os números mostram.

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Mais burlas do que corrupção

De todas as 4420 operações suspeitas comunicadas em Portugal às autoridades pelos bancos em 2012 e 2013 – os anos que são retratados na avaliação – houve 22% dos casos (958) que se confirmaram ter origem em atividades criminais. Desse universo, 60% das situações vieram a provar-se estarem ligadas a fraudes fiscais, sendo que 8% tinham origem em receitas do tráfico de droga e outros 8% em crimes de burla, com o fenómeno específico das burlas informáticas a conseguirem representar já 6% dos casos, o dobro do que é identificado nas estatísticas como dizendo respeito a crimes de corrupção (3%).

O aumento do número de casos reportados e investigados tem a ver com a forma como as autoridades têm vindo a readaptar-se à realidade cada vez mais complexa dos fluxos internacionais de dinheiro. Em 2010 a Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária viu finalmente a sua estrutura e organização estabilizada internamente, depois de em 2009 ter tido as suas competências fixadas por um decreto-lei.

A UIF concentra toda a recolha de dados a nível nacional relacionada com o branqueamento de capitais (entre outros crimes), tendo ligação direta à Autoridade Tributária e Aduaneira e articulando-se com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a unidade dentro do Ministério Público especializada na investigação à criminalidade altamente organizada ou de especial complexidade. No DCIAP, a equipa de magistrados tem vindo, de resto, a ser reforçada. Eram 12 procuradores em 2011 e em 2012 passaram a ser 20 (mais sete procuradores-adjuntos), sendo que atualmente são 23.

O reforço de meios fez com que o DCIAP conseguisse duplicar o número de acusações envolvendo branqueamento de capitais. Entre 2012 e 2013, passou de sete para 15 o número de processos em que houve arguidos acusados deste tipo de crime, havendo também uma duplicação das condenações conseguidas em tribunal: de 19 para 36 num intervalo de um ano.

Bancos mais vulneráveis

O setor imobiliário e a hotelaria são vistos com preocupação pela equipa de avaliação responsável pelo relatório. “Uma localização geográfica privilegiada, associada a zonas de forte desenvolvimento do turismo, fazem de Portugal um local apelativo para investimentos”, sendo que “o recurso a estes setores oferece uma dupla possibilidade de branqueamento de capitais, permitindo, por um lado, a canalização de avultados montantes nas fases de construção e edificação, e, numa fase subsequente, a exploração de atividades que exigem capital intensivo, capazes de justificar elevadas quantias em numerário”.

Mas são os bancos que parecem estar mais vulneráveis. “A atual pressão exercida sobre diversas instituições bancárias, carentes de um maior nível de liquidez, aumenta necessariamente o risco de abrandamento dos procedimentos de identificação, indispensáveis para apurar a legalidade e legitimidade dos fundos aplicados por clientes e investidores”, diz o relatório.

O problema não é só com quem deposita dinheiro ou compra aplicações financeiras. Segundo o documento, “algumas situações financeiras em situação de maior debilidade financeira tornam-se bastante permeáveis à entrada de novos acionistas que permitam, através de significativas entradas de capital, ajudar a combater a difícil situação em que se encontram. Esta conjuntura pode revelar-se assaz atrativa, no quadro das estratégias de branqueamento de capitais de organizações criminosas, na medida em que lhes pode inclusivamente permitir exercer um certo nível de controlo da própria instituição financeira objeto da entrada de capital.”

O SIS deve ser chamado a ajudar

O relatório propõe a criação de uma comissão de coordenação nacional liderada por um secretário de Estado do Ministério das Finanças e que venha a incluir o SIS (Serviço de Informações de Segurança) e o Ministério da Administração Interna. Essa comissão, a ser aprovada pelo governo, deveria ter uma equipa técnica permanente, que seja capaz de articular todas as entidades envolvidas no combate e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

O grupo de trabalho responsável pela avaliação recomenda também que o Código Penal seja alterado. O branqueamento de capitais é um crime que só existe quando está associado a um outro crime que lhe tenha dado origem. É aí que o grupo quer mexer. Atualmente essa lista de crimes não inclui, por exemplo, situações como o contrabando. No futuro, segundo a recomendação do relatório, todos os crimes com uma pena de prisão que tenha uma duração mínima de seis meses deveriam poder constar dos critérios admissíveis para o crime de branqueamento.

São ainda feitas outras sugestões: a imposição de limites na utilização de dinheiro vivo no pagamento de bens e serviços e a restrição do uso de títulos ao portador, para ajudar a evitar situações de anonimato. Além disso as organizações sem fins lucrativos, como as fundações, associações e cooperativas, devem ser sujeitas às mesmas regras de prevenção de branqueamento de capitais a que são aplicadas às empresas.

[Texto publicado no Expresso Diário de 4 de janeiro de 2016]

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