1 – O JORNAL do ALGARVE tem orientado o seu trabalho, desde a sua fundação, com um objetivo muito marcado pelo desenvolvimento sustentado da região. Passados estes 66 anos de luta, como vê e sente o Algarve? Que avaliação faz do Algarve que temos? Quais são os seus principais problemas?
Vítor Neto – Saúdo calorosamente o Jornal do Algarve pelos seus 66 anos de luta pelo desenvolvimento sustentado da região, numa missão que partilho totalmente e que espero continue. Como vejo o Algarve? Vejo bem. O Algarve, apesar dos problemas e insuficiências, progrediu muito no plano social e económico. Possui uma boa rede no campo da saúde, dos apoios sociais, do ensino e infraestruturas. É uma das regiões com melhor nível de vida, com um PIB per capita superior à média nacional. É a principal região do país num dos mais importantes setores da economia, o turismo, que dá um contributo importante para o PIB e para a balança comercial de Portugal. Uma região com um universo de 70 mil empresas de diferentes setores, que empregam 250 mil trabalhadores e geram um volume de negócios anual na ordem dos 10 mil milhões de euros.
O Algarve é uma região extraordinária que, apesar de muitas vezes esquecida pelos poderes políticos, não só sobreviveu, como progrediu muito do ponto de vista económico e social e possui importantes recursos e potencialidades. Mas que tem à sua frente enormes desafios, que não pode continuar a ignorar, sob pena de hipotecar o futuro das novas gerações. Os principais problemas do Algarve estão, para mim, evidentes há bastante tempo e colocam uma opção clara: Para onde queremos ir? Continuar a navegar à vista ou preparar-nos para enfrentar os desafios do futuro? O Algarve tem três ordens de problemas: estrutural, político e de liderança. Quanto ao primeiro, refiro-me à estrutura económica da região, que ao longo das últimas décadas, por falta de estratégia global, conduziu o turismo a setor não só mais importante, mas dominante da economia do Algarve, deixando para trás, com a imposição das políticas de Bruxelas e a colaboração de diferentes governos nacionais, os setores relacionados com a indústria, a agricultura e o mar, que viram o seu peso diminuir drasticamente. Um processo que desequilibrou perigosamente a estrutura económica e social da região e que continua. A crise de 2020-2021 demonstrou os riscos da dependência de um único sector. Estamos, pois, perante uma dinâmica que urge enfrentar, caso contrário, continuarão a agravar-se os desequilíbrios da economia da região, tornando o próprio turismo mais vulnerável. Costumo dizer, e não me cansarei de o repetir, que o problema do Algarve “não é ter turismo a mais, mas sim ter os outros setores a menos”. Assim, em termos estruturais, a resposta prioritária que se impõe é a concretização efetiva de uma estratégia de diversificação da estrutura económica, complementando o turismo com os outros setores com recursos e potencialidades na região, respondendo, ao mesmo tempo, aos desafios da economia sustentável e da revolução tecnológica.
2 – A liderança que temos tido e os representantes políticos, quer autárquicos, quer deputados, têm defendido e lutado o suficiente por esta região?
VN – Tenho o maior respeito pelos cidadãos e políticos eleitos que têm lutado na defesa dos interesses da região, no quadro das condicionantes políticas e partidárias existentes. O que tem faltado nessa luta tem sido uma visão integrada focada nos interesses estratégicos da região e numa perspetiva de um processo de regionalização. Ninguém poderá fugir às suas responsabilidades perante a sociedade que a todos nos julgará.
3 – Para que haja desenvolvimento, tem que haver uma estratégia. Que estratégia preconiza para a região?
4 – Fala-se muito em descentralização e/ou regionalização. Que tipo de liderança precisa o Algarve?
VN – Defendo uma estratégia que exige uma alteração estrutural que aposte na diversificação da base económica, incluindo, claro, o principal setor, o turismo. Mas deve ficar claro que para “diversificar” não é suficiente afirmá-lo num documento político, visando captar fundos de programas comunitários. Tem de corresponder às necessidades reais de uma estratégia coerente, caso contrário, corremos o risco de utilizar os fundos sem alterar significativamente a estrutura económica, e sem ver crescer o próprio PIB. Como tem acontecido. É aqui que se coloca o problema da regionalização, que não se deve confundir com descentralização. Um instrumento político com capacidade de definir o conteúdo das linhas de diversificação da estrutura económica e mais, um instrumento com competências políticas reais para dirigir opções claras e prioridades e acompanhar a sua aplicação prática, contornando interesses corporativos. Os recursos disponibilizados no atual quadro são sem dúvida importantes (PO e PRR) e devem ser utilizados o melhor possível, mas não alteram por si só a estrutura económica. Neste momento o governo tem em curso um processo no Algarve, conduzido pela CCDR, no sentido de criar as condições que conduzam à regionalização. Um processo positivo, que devemos acompanhar com atenção, e que não pode ser desvirtuado. É evidente que a condução de um processo desta natureza, submetido a enormes interesses políticos, exige liderança. Mas será o próprio processo político que, se for correto, irá produzir essa liderança. Cabe a cada um, força política ou cidadão, assumir as suas responsabilidades e decidir o caminho que pretende seguir.
5 – Há “massa crítica” capaz de revolucionar o Algarve, transformando-o, efetivamente, numa região diversificada, multicultural, onde é bom trabalhar e viver, com uma boa saúde e oferta cultural para além do sol e praia?
VN – A “massa crítica” existe, mas está dispersa e não se expõe por variadas razões, muitas vezes para evitar correr riscos que ponham em causa interesses corporativos ou ambições político-partidárias. É a evolução do debate de ideias, envolvendo também os empresários e suas associações, e da ação para alterar o quadro político e institucional da região que a poderá aproximar e consolidar, estimulando também a mobilização de quadros jovens. O problema do Algarve é simples: para onde queremos ir? O Algarve tem de decidir se quer continuar a “navegar à vista” ou lançar as bases para construir um rumo inteligente, apontando para um futuro consistente, que responda às necessidades da região e aos anseios das novas gerações. Importa assumir responsabilidades e agir.
*Ex-Secretário de Estado do Turismo, atual presidente do NERA
Li com atenção a entrevista concedida pelo dr. Vítor Neto, típica – no bom sentido – de um empresário e político.
Conheci toda a família do Vítor Neto – ele certamente não se ofenderá que o nomeie sem o título, visto que somos da mesma criação, como costuma dizer-se, talvez um pouco mais novo do que eu –, estirpe de pessoas, de que Messines se orgulha de ter sido o berço, designadamente do pai, o senhor Teófilo Fontainhas Neto, o pioneiro da maior empresa de frutos secos do Algarve, mais tarde, diversificada a outros sectores, homem, cujo extracto foi gente humilde e cuja casa de família, onde nasceu, se situava frente à casa onde eu igualmente nasci e morei.
Jamais perdeu a ligação às suas origens e ascendeu, pelo seu empreendedorismo, a partir do zero, a criador de uma forte casa comercial, os Estabelecimentos Teófilo Fontainhas Neto – Comércio e Industria, S.A., uma das empresas familiares de topo do nosso país.
Além da incontestável visão de empresário, o senhor Teófilo mostrou, em várias ocasiões, um brilhante talento de tribuno, pelos seus invulgares dotes oratórios.
Não só São Bartolomeu de Messines, mas também o próprio Algarve muito lhe devem.
É com gente da fibra do senhor Teófilo, infelizmente rara, que se afirmam os grandes homens e os países.
Honra à sua memória !
Todos sabemos que o Algarve é especialmente vocacionado para a actividade turística.
Sabemos igualmente que – utilizando um exemplo ligado à agricultura – as monoculturas, não só acabam por ser prejudiciais ao meio ambiente, como também ao próprio tecido cultural e económico.
A Natureza, ela própria, dá-nos ensinamentos que não devemos descartar, sob pena de virmos a pagar com juros os nossos excessos.
Acompanho, pois, o dr. Vítor Neto, quando afirma que, embora mantendo o turismo como actividade preferencial, no Algarve, não só pela riqueza que gera, mas pela quantidade de empregos que cria, não se deve perder de vista que é saudável a diversificação das actividades económicas.
Massa crítica e neurónios, esses, não faltam, desde logo, se atendermos à Universidade do Algarve, verdadeiro cadinho de valores, cuja ligação ao tecido empresarial poderá ser a pedra angular do desenvolvimento da nossa província.