Pode o Governo baixar o IRS? ‘Nim’

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Impostos. Pires de Lima veio partilhar o seu desconforto em relação à carga fiscal em Portugal

Uma semana depois de o conselho de ministros do Governo espanhol liderado por Mariano Rajoy ter aprovado uma reforma fiscal que permitirá uma descida do IRS, António Pires de Lima veio partilhar o seu desconforto em relação à carga fiscal em Portugal. Em entrevista ao DN e TSF, o ministro da Economia recordou que a receita fiscal cresceu 30% em 2013, mas admitiu uma vontade de “inverter esta tendência de aumento de impostos”, em matéria do IRS. “Se existir espaço orçamental para que isso se verifique, pois não depende só do Governo, a prioridade para 2014 é inverter a tendência na reforma do IRS”.

“O ministro da Economia é bem-intencionado. Já o era quando tomou posse, a propósito da descida da taxa do IVA na restauração, mas a verdade é reconhecendo a bondade da medida enquanto ministro com a pasta da Economia, a taxa permanece em 23%”, comenta Pedro Pais de Almeida, sócio da Abreu Advogados e Especialista em Direito Fiscal.

Para Jaime Esteves, fiscalista da PwC Portugal, a descida do IRS é absolutamente fundamental e urgente, já que “atingimos, com efeito, níveis insustentáveis de “aspiração” de riqueza por via fiscal”. Essa redução, todavia, “só é possível com uma redução muito significativa da despesa pública, de modo a manter um saldo orçamental primário positivo”, salienta, acrescentando que do lado da redução estrutural da despesa ainda não se fez o suficiente. Por isso, “o debate até ao outono, incluindo o da proposta do Orçamento do Estado para 2015, será absolutamente decisivo para a evolução futura da economia”.

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É certo que muito vai depender da execução orçamental deste ano até esta altura. E os números do primeiro trimestre, quando o défice ficou em 6% do PIB (meta de 4%), são reveladores de que o sucesso ainda não está garantido. Além disso, o Governo vai ter de acomodar o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) aos cortes salariais da função pública e o próprio TC ainda está a avaliar a contribuição extraordinária sobre as pensões.

Para os fiscalistas da EY Portugal, a receita fiscal advinda do IRS representa um contributo muito relevante na execução orçamental em Portugal, pelo que variações, ainda que pouco significativas em termos de taxa ou base tributável, poderão gerar “impactos consideráveis”. Por isso, “uma redução de IRS terá necessariamente que ser compensada por outra fonte de receita tributária, de modo a não comprometer a execução orçamental”.

“O anunciado aumento da taxa do IVA e das contribuições para a segurança social, somados aos tímidos indicadores de crescimento registados nos últimos meses, parecem sinalizar a ausência de folga orçamental para ser implementada uma reforma fiscal em IRS com a magnitude daquela anunciada por Espanha”, afirma João Magalhães Ramalho, coordenador da área de prática de direito fiscal da sociedade de advogados PLMJ. Perante este constrangimento, defende que as medidas a anunciar pela comissão da reforma do IRS devam focar-se no aumento da natalidade, no combate à desertificação do interior e no aperfeiçoamento das regras vigentes quanto à tributação dos expatriados residentes em Portugal (de modo a dotar as empresas de melhores ferramentas de atração de quadros válidos e que permitam acrescentar valor acrescentado ao produto nacional).

Efeitos na economia

A potencial diminuição do IRS teria um impacto positivo também ao nível do rendimento disponível das famílias, e, também, sobre o consumo, apontam os fiscalistas da EY Portugal, já que parte da poupança gerada teria como finalidade o consumo, o que poderia, em tese, gerar um aumento da atividade económica. De igual modo, a redução de outros impostos (particularmente, o IVA) também teria impacto relevante na economia.

Questionado sobre os efeitos positivos de uma descida de IRS na economia, Jaime Esteves afirma: “A literatura demonstra a associação do aumento do investimento à redução da carga tributária, o que leva a mais postos de trabalho criados na economia e, então, a um crescimento saudável do consumo, incluindo da procura no mercado interno”, afirma. Com vista ao crescimento económico, “essa redução deverá ter como prioridade o IRC, depois o IRS e por fim o IVA”, elenca.

Ventos de Espanha

Foi há dez dias que o conselho de Ministros do Governo espanhol liderado por Mariano Rajoy aprovou a entrada em vigor, a partir do próximo dia 1 de janeiro, de uma reforma fiscal que permitirá uma descida média do IRS de 8,06% em 2015 e de 12,5%, em 2016.

Na altura, a vice-primeira-ministra do Governo, Soraya Sáenz de Santamaría, explicou ainda que para os cerca de 72% dos contribuintes espanhóis que recebem abaixo de 24 mil euros anuais, a redução de IRS será de 23,5% e para aqueles que recebem menos de 18 mil euros por ano a descida será de 31%. A partir de 2016, altura em que entrará em vigor a segunda fase prevista pelo pacote de redução da carga fiscal, a taxa mínima de IRS será de 19%, contra os 24,75% actuais, e a máxima, que agora se situa nos 52%, cairá para os 45%.

“Chegou o momento de baixar os impostos a todos os espanhóis”, sublinhou o ministro das Finanças, Cristóbal Montoro, citado pelo Expansión.

O objetivo desta reforma “passa claramente por devolver poder de compra e de investimento aos cidadãos e às empresas, e desta forma reanimar o consumo interno, tornando de permeio Espanha mais atrativa ao investimento estrangeiro”, afirma João Magalhães Ramalho, da PLMJ. “Em termos orçamentais, e em tese, a potencial perda de receita fiscal decorrente do desagravamento da carga tributária, deverá ser compensada pelo aumento da arrecadação da receita com os impostos sobre o rendimento – resultante do esperado aumento do rendimento das famílias e das empresas -, do aumento do IVA – resultante do maior consumo -, e da redução das despesas com encargos sociais e do aumento das contribuições para a segurança social – fruto de uma maior empregabilidade”, acrescenta.

Para os fiscalistas da EY Portugal, o impacto da reforma tributária espanhola em termos de receita fiscal ainda é algo incerto, principalmente no curto prazo. Primeiro, porque coexistem medidas de desagravamento e de aumento da carga fiscal, repartidas por diversos impostos. Segundo, porque uma redução de taxa ou diminuição da base tributável poderá não necessariamente implicar uma redução de receita, caso tais desagravamentos possam gerar atividade económica relevante. “A Comissão Europeia recentemente considerou que a reforma fiscal espanhola poderá dificultar o cumprimento dos compromissos orçamentais assumidos, embora tal não seja a opinião do Governo Espanhol. Em rigor, só o tempo poderá mostrar o impacto exato da reforma em termos orçamentais”, sublinham.

Competitividade de Portugal

“Comparando-se os sistemas fiscais, Portugal é um país competitivo, nomeadamente em sede da tributação de empresas, principalmente em resultado da reforma do Código do IRC em vigor desde 1 de janeiro de 2014. É de notar que o sistema fiscal português concorre hoje para a atração do investimento externo, e bem assim, para a internacionalização da nossa economia”, consideram os fiscalistas da EY Portugal, adiantando que, por isso, não se antevê perda de competitividade em Portugal por via da reforma fiscal em curso em Espanha.

Para João Magalhães Ramalho, os efeitos positivos decorrentes da reforma espanhola serão, sobretudo, para “consumo” interno. “Na verdade, vemos que o Governo espanhol mal toca nas taxas do IVA, imposto nevrálgico de competitividade entre as empresas dos dois lados da fronteira”, afirma o responsável da PLMJ. Mais: “A redução anunciada por Espanha de descer a atual taxa IRC dos 30% para 28% (em 2015), e de 28% para 25% (em 2016), é menos ambiciosa do que a reforma implementada em Portugal, onde a taxa já se situa nos 23%, com a expectativa de se situar num intervalo entre 17% e 19% em 2016, redução que deverá ainda ser complementada pela abolição das derramas estadual e municipal em 2018. Talvez o ponto onde a reforma fiscal seja de facto mais atrativa se situe ao nível do desagravamento fiscal das PME (em Portugal estas empresas beneficiam de uma taxa reduzida de IRC de 15%, mas apenas aplicável aos primeiros 15.000 euros de matéria coletável)”.

Já para Pedro Pais de Almeida, “Portugal fica menos competitivo na atração de investimento estrangeiro, cada vez que o seu vizinho e principal parceiro económico baixa a sua tributação”.

Se da reforma anunciada resultar um efetivo aumento da capacidade do poder de compra das famílias e do investimento das empresas espanholas, poderão de facto antecipar-se alguns efeitos positivos para Portugal, “por exemplo, ao nível do aumento do turismo e dos gastos per capita dos turistas em Portugal, do aumento das compras às empresas portuguesas, e do aumento do investimento das empresas espanholas”, antecipa o fiscalista da PLMJ. “A melhoria da economia espanhola poderá igualmente traduzir-se no aumento dos resultados distribuíveis registados pelas empresas portuguesas presentes em Espanha, com a possibilidade de uma maior distribuição de lucros futuros às casas mãe em Portugal”, adianta.

Para o fiscalista da PwC, a reforma fiscal em Espanha tem o objetivo de promover o investimento e atrair IDE (Investimento Direto Estrangeiro). Nesse sentido, “o aumento da competitividade fiscal no País vizinho torna-nos comparativamente menos competitivos na arena internacional e, por isso, pode prejudicar a atração de investimento externo para Portugal, fundamental para nós”, considera Jaime Esteves. Ao mesmo tempo, acrescenta, prejudica a capacidade concorrencial das nossas empresas, relativamente às empresas espanholas, o que pode suscitar alguma apreensão em Portugal.

Porém, e em contrapartida, o fiscalista acredita que o sucesso da reforma proposta irá acelerar o crescimento económico português em Espanha, visto ser o principal mercado de exportação para Portugal. “Nesse sentido, a reforma é, obviamente, positiva também para as nossas empresas, caso exportem para Espanha”, sublinha Jaime Esteves.

Em Portugal, as expectativas de descida do IRS têm sido diminutas… até ao passado fim de semana. Pires de Lima abriu possibilidades e cenários que só serão desvendados em julho, através dos resultados da comissão da reforma do IRS nomeada para o efeito.

RE

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